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UMA CANOA CONTRA A CORRENTE - Tchello d'Barros

Fórum de Artes Visuais de Alagoas: Crônica de uma canoa na contra-corrente.

                                                                                     por Tchello d’Barros*

 

 

 

“A arte não consiste apenas na solução de problemas formais; ela é sempre e em primeiro lugar a expressão das idéias dominantes da humanidade.”

                                                                                              Max Dvörak (1874 – 1921)

 

 

 

 

I

 

Corria o mês de julho de 2005 d.C., ano da graça de nosso Senhor, quando um pequeno grupo de artistas atuantes em Alagoas, reuniu-se para formar o Fórum Permanente de Artes Visuais de Alagoas. Aquela primeira reunião na Galeria de Artes do Sesc, iniciou no Estado o acompanhamento das movimentações do MinC – Ministério da Cultura, em parceria com a Funarte – Fundação Nacional de Artes, para implantar no país o inédito SNC - Sistema Nacional de Cultura.  

 

Cabe lembrar que tanto o MinC quanto a Funarte estavam nos últimos governos com desempenhos muito limitados mas este projeto representou um novo fôlego nas duas instituições, visando desenvolver uma ampla rede de contato entre artistas, produtores e instituições culturais, com governos municipais e estaduais, mapeando a produção nacional na modalidade das Artes Visuais e outras modalidades artísticas.

 

Além da pactuação de MinC/Funarte com as secretarias de cultura municipais e estaduais (nem todos os Estados aderiram, por questões políticas e desinteresse mesmo) e a criação das Câmaras Setoriais (Artes Visuais, Circo, Dança, Livro e Leitura, Música e Teatro), foram propostas instâncias democráticas – os fóruns – para a participação voluntária da sociedade civil, pessoas e entidades não ligadas diretamente aos governos.

 

Assim iniciou-se o movimento, já definindo que adotaria na nomenclatura o vocábulo ‘Permanente’, pois, ainda que aparentemente pretensioso, lembraria sempre a falta de continuidade das políticas públicas para as Artes Visuais adotadas até então no Município e também no Estado, bem como a ausência de uma via de reunião sistemática da classe, para tratar de assuntos de seu interesse. Já o termo “Artes Visuais’ (e não o já arcaico “artes plásticas”) foi adotado por estar sendo atualmente usado pelos agentes desta modalidade artística, a saber, os críticos, curadores, artistas, professores universitários, jornalistas culturais e pela intrincada rede de espaços expositivos, tanto as galerias de arte particulares quanto museus e centros culturais no Brasil e Exterior. É lógico que não faltaram resistências e discordâncias, o que é natural nesses momentos de batismo de nomes, o que deu início à animadas discussões sobre definições e as diferenças entre pintores, artistas plásticos e artistas visuais. Como não é o objetivo destas linhas elucidar tais inquisições, vale apenas anotar que acordou-se que essas discussões seriam dirimidas durante os futuros encontros, o que de fato gerou entusiasmados posicionamentos e arrazoados por parte dos integrantes, sendo sempre um assunto interessante de se debater entre os diversos atores que compõem este sistema em aberto.

 

Assim como os literatos em geral, os adeptos das Artes Visuais também são uma fauna difícil de se reunir, dada principalmente às características de introspecção tão peculiares em muitos de seus representantes, sejam eles desenhistas, pintores, gravadores ou escultores, ou mesmo os que se utilizam de tecnologias mais recentes, como os fotoartistas, videomakers e a turma da arte digital – web-arte e/ou computação gráfica e arte tecnológica. Para estes artistas em geral, o ato criador sempre foi preferencialmente solitário, independente e isolado, diferente dos colegas das áreas de teatro, dança, circo, grupos musicais e afins, cuja atividade por si só já é agregadora. Como em Alagoas não seria diferente, no caso em questão o desafio foi ainda mais difícil, em parte por ninguém ter uma relação completa dos artistas da região e sobretudo pela maioria simplesmente duvidar de qualquer ação que tenha como origem “o governo”, em qualquer uma de suas instâncias, tamanha a desconfiança, descrença e decepção por parte daqueles que foram aos poucos sendo contatados, seja por telefone, por e-mail ou por notas nos jornais da região. A média de participantes das reuniões vinha girando no início em torno de apenas quinze participantes, apesar da divulgação, chegando a quarenta, quando dos cursos e palestras promovidos ou apoiados pelo Fórum, muitos dos quais estudantes e profissionais de atividades relacionadas às Artes Visuais. Foi considerado, portanto, naquele início, um número bastante reduzido de artistas motivados para as discussões de interesse mútuo da classe, ao tempo que se respeitou a postura dos ausentes, pois entende-se que nem todos dispõem de tempo ou interesse para atividades dessa natureza.

 

Quanto à mídia em geral, sempre se comentou do pouco espaço que alguns veículos de comunicação local dão às Artes Visuais. Claro que essa pauta continua em aberto, mas cabe lembrar que as ações do Fórum sempre tiveram visibilidade e divulgação pela imprensa no Estado, consciente do ineditismo e da relevância de tais ações. Além da publicação dos conteúdos dos press releases, em algumas ocasiões foram produzidas matérias, entrevistas e até mesmo equipes se deslocaram até as ações para registrá-las, gerando reportagens que futuramente poderão ser documentos desse capítulo na história recente das Artes Visuais em Alagoas.

 

 

II

 

A primeira ação do Fórum consistiu em eleger dois representantes, que entre outras funções deveriam participar das reuniões organizadas pela Funarte, em sua sede no Rio de Janeiro. Claro que nessa hora não faltaram candidatos. Mas os mesmos foram rareando quando se soube que – sem remuneração - deveriam também de forma voluntária desenvolver ações locais, sistematizar propostas e demandas e ainda coordenar atividades de interesse da classe, numa interlocução contínua com a Funarte, ou seja, atividades que exigem tempo, recursos de comunicação e até algum investimento. Mesmo com a divulgação na imprensa, apareceram poucos voluntários e depois de algumas reuniões e acaloradas votações, a fotógrafa e artista visual Ana Glafira foi eleita, conhecida por seu histórico de criação de projetos culturais, organização de seminários e das curadorias de exposições realizadas em Alagoas e outros Estados. O relator destas linhas foi votado como suplente na 1ª reunião da Funarte, no Rio de Janeiro (RJ).

 

O primeiro desafio do Fórum, antes mesmo de estabelecer qualquer diretriz ou linha de ação, foi encontrar um método para a condução das próprias reuniões, pois há muito não se via na região um grupo com essa missão. Então aos poucos foram sendo introduzidas as pautas de reuniões, com coordenações revezadas e na seqüência estabeleceu-se um método de coleta de contribuições dos participantes. Por contribuições devemos entender sua participação com idéias e demandas, todas apresentadas por escrito, para que um resumo fosse sistematizado e levado às reuniões da Funarte.

 

A metodologia adotada para a coleta de sugestões e sistematização das demandas no setor de Artes Visuais em Alagoas, obedeceu um princípio de três enfoques para cada tema e sub-tema, e não será demais lembrar que esse exemplo usado em Alagoas foi posteriormente adotado na Funarte nas reuniões da Câmara Setorial de Artes Visuais. Basicamente foram apresentados aos artistas os principais eixos de discussão e para cada um formulava-se em primeiro lugar o Problema – ou as demandas, necessidades, prioridades – em seguida apresentava-se as Ações sugeridas correspondentes ao problema - o que deveria ser feito ou as medidas a serem tomadas - e finalmente, num terceiro momento apresentava-se os Benefícios que tal ação traria para o desenvolvimento das Artes Visuais em Alagoas. Logo ficou evidente a dificuldade de muitos para apresentar soluções práticas, ações que requerem metodologias pragmáticas de gestão cultural, e uma visão sistêmica do setor. E é natural, afinal estamos falando de artistas, cujas subjetividades se dão principalmente no terreno do imaginário e sua visão geralmente idealista, utópica e mesmo diletante nem sempre se adequa ao sistema capitalista e à sociedade consumista em que vivemos, ainda mais quando as artes, além de estarem inseridas na chamada Economia da Cultura – arte é produto e cultura é negócio – quando estão fora das instâncias privadas, permanecem atreladas ao poder público, portanto ao sabor das veleidades político-partidárias.

 

Ainda assim, surgiram muitas contribuições intelectuais exeqüíveis, passíveis de ser implantadas em curto e médio prazo, mas com desdobramentos de longo alcance. Acertou quem pensou que as principais críticas se relacionavam com as inexistentes ou inadequadas políticas públicas em âmbitos municipal e estadual para o setor. Nada de novo sob o sol, afinal estamos em um Estado que apresenta indicadores sociais alarmantes e por isso historicamente aceitou-se que este setor da cultura de um modo geral fique relegado como um dos últimos ítens numa administração. Sem falar no grave equívoco onde muitos entendem que promover a cultura se baste em patrocinar ações eleitoreiras de incentivo ao folclore, ao artesanato decorativo ou determinadas festas populares e eventos de periferia. Temos tudo a favor da arte popular, no entanto os artistas já entenderam que estamos perdendo o bonde da história, enquanto a vizinha Recife, por exemplo, se transformou num pólo multicultural de visibilidade não apenas regional, mas é hoje trânsito obrigatório no sistema nacional e internacional da Arte Contemporânea. O mesmo salto quântico está se dando em João Pessoa, Salvador, Fortaleza e outras capitais do Nordeste.

 

 

III

 

Bem, em linhas gerais, entre os muitos problemas levantados pelos participantes no que se refere às Artes Visuais em Alagoas, é mister lembrar que muitos deles não são exclusividade daqui, mas ocorrem também em outras regiões e algumas vezes de forma até mais grave. Mas, como primeira demanda relatada, por unanimidade concluiu-se que Alagoas precisa antes de tudo que vigorem as Leis Municipal e Estadual de Incentivo à Cultura. É de fato um descalabro o fato de em pleno ano de 2005, a Capital Maceió não possuir em atividade uma lei assim e o mesmo acontece com as outras cidades e o próprio Estado. Não basta que os artistas tenham inspiração ou boas idéias, são necessários editais para que os mesmos possam viabilizar e materializar tais idéias (três anos depois, enquanto são redigidas estas linhas, a situação não mudou. Não temos Leis de Incentivo nem editais para que os artistas possam realizar suas propostas). E o mais grave é que não estamos falando de paternalismos, mas simplesmente de direitos do cidadão. Apesar dos já referidos indicadores sociais, Alagoas tem empresas de porte com significativa arrecadação, e não nos referimos apenas às usinas do açúcar na iniciativa privada, mas também às estatais, em especial a Petrobras, que pelo histórico de sua contribuição com a cultura local não tem contribuído senão com migalhas, segundo a opinião geral dos artistas e intelectuais. O outro vértice do problema reside ainda na já citada iniciativa privada, cujo ciclo é mais ou menos assim: a maioria dos atuais empresários cresceu sem ter acesso à cultura, à uma educação visual sobre as artes, portanto não desenvolveram a visão de valorizar e  incentivar as artes em sua cidade, em seu Estado. Ora, em pleno Renascimento já era senso comum que aquele que enriquece numa comunidade, numa região, tivesse a obrigação moral de apoiar a cultura de seu povo. É o caso daqueles empresários que colecionam dígitos na conta corrente mas não desenvolveram o bom-gosto para o chamado Colecionismo de obras de arte, muito menos para se fazer o que já se vê em certas capitais do Nordeste, onde os empresários compram as obras e doam-nas para as instituições culturais, assim a obra passa a ser acervo público, das pessoas daquela cidade, daquele Estado. Quem se habilita a ser o primeiro por aqui?

 

Se estamos falando de editais, por tabela estamos nos referindo também a patrocínios, apoios e parcerias, ou seja, itens fundamentais para a realização de um projeto cultural, para a realização de uma exposição ou publicação de catálogo de algum artista, por exemplo. Os participantes consideraram a dificuldade em sensibilizar os empresários e profissionais de marketing quanto à associação de sua marca junto à um evento ou produto cultural, prática comum em outras regiões do país. Por aqui o empresariado em sua maioria ainda não percebeu o quanto pode ganhar junto à percepção de seu público alvo, quando sua empresa, marca, produto ou serviço, agrega valor associando-se à cultura, às artes. Tal visibilidade positiva é um sucesso nos países desenvolvidos, onde o consumidor dá preferência aos produtos e empresas que dão algum retorno à sociedade, não apenas no campo cultural, mas também no social e no ecológico.

 

Outro ponto levantado e muito questionado refere-se à qualificação dos profissionais (sic) atuantes em muitas instituições – privadas ou governamentais – cuja missão seria preservar e fomentar as artes. Mais uma vez na contramão da história, foram identificadas instituições onde a falta de qualificação de seus dirigentes compromete o êxito de uma programação, de capacitações e de exposições, isso quando existe tal programação. Argumentaram também que ainda estamos no tempo onde pessoas são indicadas para ocupar cargos na área cultural por pertencerem a determinados partidos políticos ou porque pessoas influentes indicam familiares. Um dos sintomas de tal gestão cultural ineficaz, sem dúvida é o fato de Alagoas sequer ser mencionada na itinerância das exposições de qualidade que viajam pelo país. Mas tal argumentação não se referiu apenas aos que ocupam postos de chefia, o problema começa em alguns casos já na recepção, passando pelos setores técnicos de manutenção, acervo e montagem e se agrava na questão da mediação – que muitos ainda chamam de monitoria – e assim, por melhor que seja a qualidade das obras de um artista, a recepção pública dessa obra se dará de forma inadequada, limitada, salvo as raras e honrosas exceções.

 

Uma sugestão que apareceu seria que estagiários dos cursos superiores de Educação Artística ou Licenciatura em Artes ocupassem essas funções de recepção e mediação, mas então constatou-se que as instituições de ensino superior não tem esses cursos por aqui, e olha que só a Capital já conta com mais de novecentos mil habitantes. Tal desserviço atinge ainda as várias etapas da produção de uma exposição, senão vejamos: ocorre que uma mostra de artes, seja individual ou coletiva, movimenta toda uma cadeia produtiva, e além dos custos com montagem, iluminação e ambientação, será criado o design gráfico de um convite, que depois será impresso e mais tarde enviado pelo correio, além do tradicional vernissage, onde geralmente há um coquetel, e assim ganha o confeiteiro, a loja de bebidas, os garçons, os postos de gasolina, os restaurantes e até o flanelinha.Ainda sobre a questão da qualificação, não passou despercebida a falta de profissionais capacitados para elaboração de projetos e captação de recursos, já que os projetos para editais são uma forma que inúmeras entidades, ONGs, Museus, Centros Culturais e afins encontraram para ampliar os recursos de sua programação e gestão. Ressalve-se aqui algumas atividades do Sebrae, que realizou oficinas de elaboração de projetos, empreendedorismo cultural e até palestra sobre direitos autorais. 

 

Se acima mencionamos en passant a ausência de cursos de terceiro grau para o setor, é porque foi outro assunto bastante mencionado no Fórum, sendo que percebeu-se aí outro ciclo vicioso: se não temos cursos superiores para as Artes Visuais, não formaremos artistas e nem mesmo futuros professores, assim a educação em artes sempre será deficitária e ainda gera um problema em paralelo: o êxodo de artistas ou profissionais que buscarão qualificação fora de Alagoas e lá encontrarão não apenas a formação desejada bem como o campo de trabalho para sua atuação profissional e assim, para estes, Alagoas vira cartão postal e um retrato na parede, como a Itabira de Drummond. Claro que tal problema - histórico - se estende para outros setores artísticos, apenas para situarmos no campo da Literatura, rememoremos Jorge de Lima, Graciliano Ramos e nosso contemporâneo Lêdo Ivo, depois que daqui partiram, voltaram apenas como eventuais e ilustres visitantes. O mesmo ocorreu com outros escritores de porte que aqui sentaram praça mas depois debandaram, caso de Monteiro Lobato, José Lins do Rego e Clarice Lispector. Então, esse problema de santo-de-casa ter que fazer milagre lá fora não é de hoje, mas é hoje que estamos debatendo e tentando encontrar opções de desenvolvimento e sustentabilidade para o artista que aqui vive e produz sua obra.

 

E por falar no verbete sustentabilidade, não nos furtaremos em mencionar outra grave preocupação da classe: a muito citada inexistência de um mercado que absorva a produção dos artistas locais e regionais. Ora, sem mercado, sem galerias, o artista não vende e não pode reinvestir em sua produção. Seu processo de aprofundamento e aperfeiçoamento fica estagnado ou segue a passos muito lentos, sendo que sua produção terá ainda a tendência de se tornar meramente comercial e decorativa, atendendo – para sobreviver - apenas as exigências de decoradores e arquitetos, e o pior: serão chamados de ‘obra de arte’ os artefatos culturais e peças decorativas criadas para atender tais encomendas. Temos tudo a favor de o artista ganhar dinheiro, e ganhar muito bem, com sua produção, mas se estamos falando de estéticas e poéticas, de identidade criativa e originalidade, se não existe mercado, perde o artista e perde toda a cultura de uma região, isso quando o artista não abandona sua vocação e parte para um emprego qualquer para garantir sua subsistência.

 

Nas entrelinhas do acima exposto, fica evidente ainda outra preocupação levantada no Fórum, que é a falta de critério e de parâmetros para definição do que vem a ser de fato uma obra de arte. A figura do marchand praticamente extinguiu-se e pela já mencionada falta de formação, são raros os curadores e críticos atuantes aqui no Estado. Tal déficit acentua outra questão polêmica: o da arte pública, onde muitas ‘obras’ não passam de invencionices e contorcionismos técnicos, sem conceito nem contexto, e aí estão belas e formosas em algumas praças, verdadeiro engodo para comunidades já carentes de qualidade quando estamos falando de arte. E nas instituições com espaços expositivos, são pouquíssimas as mostras onde o visitante se depara com um texto crítico na parede, e vez em quando isso ocorre por iniciativa dos próprios artistas. Mais raras as instituições com um conselho curador, e mais rara ainda uma atividade crítica paralela, espontânea, que confronte ou questione as exposições, prática comum e corrente em outros centros culturais do país. A tendência é que os críticos e curadores que apresentam os textos, estejam de alguma forma ligados àquele projeto ou instituição que expõe a obra, e por isso o texto sempre será em favor da obra exposta, realçando apenas seus aspectos positivos. Está faltando o contraponto, o outro lado da moeda.

 

A já conhecida falta de visibilidade da produção dos artistas da terra em âmbito nacional, apontou para outras questões, seriamente debatidas e que em linhas gerais são produto e ao mesmo tempo alimentam os problemas até aqui mencionados. Já que Alagoas raramente é mencionada em alguma catalogação de artistas de expressão nacional, em mapeamentos e radiografias da produção contemporânea, fica evidente a falta de intercâmbio e interlocução com o sistema das artes fora da geografia alagoana. São raros os artistas que expõem seu trabalho para além das fronteiras do Estado, e ainda mais raros os que conseguem mostrar seu trabalho em outros países, fora uma ou outra ação muito pontual e específica. É ponto pacífico de que talento é o que não falta por aqui, artistas de elevada qualidade técnica e conceitual também possuímos, no entanto não temos visibilidade e nossos criadores não participam do circuito de exposição das grandes galerias ou das premiações dos principais editais do país. Nesse sentido foi evidenciada também a ausência de Salões de Arte, Editais e as chamadas Residências, em nossa região, ações que promovem intercâmbios não só de obras mas de tendências e poéticas inovadoras, sem falar da visibilidade que um projeto assim traz para uma cidade ou Estado. Ora, se apesar dos pesares, existe aqui corpo técnico capacitado para empreender tal ação, e ainda assim nada acontece por apatia das instituições que deveriam realizar algo no gênero, conclui-se que pior que a falta de visibilidade é a falta de visão. Enquanto Alagoas não entrar no circuito com algum projeto arrojado, que atraia olhares e interesses sobre a produção aqui desenvolvida, está claro que a arte alagoana em geral permanecerá à margem desse grande circuito.

 

 

IV

 

Bem, como o objetivo aqui não é cansar os leitores com relatórios detalhados de tudo que foi debatido naquela primeira fase, cremos que o relato acima dá uma idéia das demandas enunciadas inicialmente por aqueles que se dispuseram em participar com sua contribuição pessoal em prol de benefícios coletivos. Basta por ora contar que tais conteúdos foram sistematizados num documento apresentado na Funarte como “Carta de Alagoas”, na expectativa de uma contribuição para futuras mudanças, sobretudo com aqueles que estão distantes do famigerado eixo Rio-São Paulo, que historicamente concentra os investimentos na área cultural, deixando apenas uma pequena fatia para os chamados Estados periféricos, como os do Nordeste.

 

Ainda na referida 1ª reunião na Funarte, estiveram presentes além dos representantes estaduais, diversos convidados do MinC, críticos, curadores, educadores, representantes de instituições e profissionais de notório saber, que além de tomarem conhecimento das demandas de cada região, participaram também das mesas temáticas e das acirradas discussões em torno das formulações de leis e programas nacionais para o desenvolvimento do setor. Na mesma ocasião foi então formada, por votação entre os participantes, a Câmara Setorial de Artes Visuais, com quinze pessoas, entre as quais Ana Glafira, a representante titular de Alagoas, que se destacou por sua defesa pela distribuição equânime dos recursos de editais das estatais, entre outras demandas supra-citadas. Era apenas o começo de muitos debates acalorados, fossem presenciais ou pela Internet, que culminaram no final de 2006 no documento geral da Câmara Setorial de Artes Visuais, cujos principais itens serão via MinC adequados ao Programa Nacional de Cultura e em ações que dinamizem e desenvolvam no país o sistema das Artes Visuais. Aliás, esse conteúdo o MinC disponibilizou para todos na Internet.

 

 

V

 

Como atualmente tudo isso ainda está tramitando nos corredores de Brasília, então vamos nos deter um pouco nas ações que de lá para cá o Fórum Permanente de Artes Visuais de Alagoas realizou ou apoiou, com a colaboração voluntária de seus participantes, grupo formado por artistas em sua maioria, mas que já conta com a cumplicidade de arquitetos, fotógrafos, professores de arte, acadêmicos, profissionais da cultura e outros colaboradores que aos poucos vêm chegando para somar. Antes de mais nada, consideremos que não havia verba alguma para a realização de quaisquer ações, onde todo o capital que o grupo dispunha era o capital intelectual e a boa vontade em fazer acontecer. Para os encontros, reuniões e palestras, instituições como o Sesc, o Misa, o Espaço Cultural da UFAL, o Centro Cultural e de Exposições de Maceió e ainda o simpático Clube do CLIC, gentilmente colaboraram cedendo suas dependências, e para os cursos e oficinas – que mencionaremos mais à frente – o Senac entrou como parceiro fundamental na realização de várias ações. Como se vê, as entidades deram seu voto de confiança para o movimento, como demonstração inequívoca de que tudo são construções coletivas que se somam e se completam.

 

Naqueles dias de 2005, pra darmos início às atividades, o crítico, artista e Prof. Dr. Francisco Oiticica-Filho prontamente atendeu os convites do grupo e proferiu algumas palestras apresentando suas pesquisas da evolução da arte no Estado de Alagoas, com considerações acerca das transformações do mercado e das instituições, bem como sobre o acervo da Pinacoteca da UFAL, onde foi integrante do conselho curador. Além da projeção de imagens, o palestrante se colocou à disposição da platéia para debates sobre os assuntos das palestras. No mesmo formato tivemos o privilégio de uma palestra com o Dr. Fernando Gomes, do IHGAL, que apresentou um panorama cultural e histórico sobre a figura de Fernandes Lima, e também projetou imagens de inúmeras obras do acervo da família, promovendo uma construtiva sessão de perguntas e respostas com a platéia.

 

Já em 2006, o grupo decidiu ampliar o foco das ações, apoiando a organização de cursos e oficinas. Estes ocorreram em parceria com o Senac, que forneceu a estrutura, bem como os certificados. Visando ampliar o repertório técnico mas também conceitual, o grupo recebeu por duas vezes em Maceió a artista e curadora Profª. Drª. Viga Gordilho (UFBA), que ministrou as oficinas Criação Contemporânea e Poéticas Visuais Contemporâneas. De quebra ainda inseriu obras de quarenta artistas de Alagoas – com curadoria local de Ana Glafira, que na ocasião além de coordenar o Fórum acumulou a função de gestora de Artes Visuais do APL Cultura em Jaraguá – no projeto Afetos Roubados no Tempo, exposição de uma instalação processual e itinerante, que depois de se apresentar em várias cidades brasileiras, passará pela Europa e finalmente na África, onde teve origem o projeto. Em Maceió a mostra foi apresentada no Museu Theo Brandão e na seqüência foi exposta na Faculdade Santa Marcelina, numa programação paralela à Bienal de Artes de São Paulo.

 

Ampliando o arco de ações do Fórum, desta vez o grupo apoiou um projeto que recebeu em Maceió o conceituado xilogravurista Rubem Grilo (RJ), para a conferência pública A Xilo Como Opção, realizada no Centro Cultural e de Exposições de Maceió, onde também ocorreu a exposição Arte Menor, apresentando nada menos que 600 xilogravuras do artista. Ele ministrou também um curso teórico e prático sobre xilogravura, no Senac, tudo com patrocínio do Programa BNB de Cultura/Banco do Nordeste.   

 

Diversificando o leque de atuações, desta vez nossos intrépidos artistas resolveram abordar o delicado tema das críticas e curadorias, e não foi por outro motivo que baixou em Maceió a crítica e curadora Cristiana Tejo, da Fundação Joaquim Nabuco, do Recife (PE), quando ministrou o curso Tudo Que Um Crítico Gostaria de Dizer Para Um Artista Mas Nunca Teve Oportunidade, onde além das atividades do próprio curso, a curadora realizou leituras individualizadas de portfólios dos artistas e fotógrafos participantes. Esta ação, sugerida pelo Fórum, ocorreu também no Senac, pelo Programa APL Cultura em Jaraguá, com apoio da Secult.

 

Mas como nada parecia saciar a sede de intercâmbio dessa turma, a próxima ação consistiu numa missão cultural até a cidade do Recife, onde uma Van lotada de artistas visitou a escola de artes Oficina do Tempo, de Suzana Azevedo; o Mamam - Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães; a Galeria Mariana Moura, focada em arte contemporânea; e a Fundaj - Fundação Joaquim Nabuco, quando acontecia um evento onde o crítico e curador Fernando Cocchiarale lançava seu livro Quem Tem Medo Da Arte Contemporânea?, com projeção do DVD homônimo produzido por Isabela Cribari. Não demorou muito e os alagoanos apoiaram a realização do duplo lançamento também em Maceió, sendo que Fernando Cocchiarale, diretor do MAM no Rio de Janeiro (RJ) deslocou-se da capital fluminense para Maceió à fim de palestrar e autografar o referido livro, e Isabela Cribari veio do Recife para a projeção do polêmico e concorrido vídeo, nas dependências do Sesc Centro.

 

Como não fosse o bastante para os entusiasmados integrantes do Fórum, ato seguinte resolveram organizar uma mesa-redonda no auditório do Sesc, com três palestrantes desta vez. Ricardo Maia falou sobre o também polêmico movimento Vivarte, sendo que Ana Glafira discorreu sobre a Câmara Setorial de Artes Visuais, ao passo que Fredy Correia apresentou uma fala sobre o projeto Corredor das Artes. O curioso é que tal mesa-redonda atraiu públicos muito distintos entre si, mas todos com afinidade em torno das Artes Visuais.

 

Outra ação interessante dos participantes do Fórum, foi quando apoiaram na UFAL, a criação da Escola Técnica de Artes Visuais, colhendo mais de cem assinaturas e defendendo a proposta nas reuniões com a reitoria da UFAL. A proposta foi aprovada.

 

E quando muitos achavam que as ações em 2006 haviam acabado, o Fórum surpreende outra vez apoiando e participando em Maceió, novamente no Sesc, da apresentação do vídeo Mulheres Artistas, da documentarista Ana Valeska, de Fortaleza (CE), que mostrou de forma poética a transição de diversas artistas cearenses que atualmente produzem seu trabalho pelo prisma da arte contemporânea. O evento encerrou mais uma fase do Fórum naquele final de ano, além de proporcionar um momento especial de confraternização, intercâmbio, troca de experiências e consolidação de parcerias.

 

 

 

VI

 

Já em 2007, o Fórum abriu as atividades promovendo ações com o artista, curador e crítico de artes Dyógenes Chaves, membro da ABCA Associação Brasileira de Críticos de Arte, que apresentou palestras no Misa e no Centro Cultural e de Exposições, abordando a temática dos Intercâmbios e também sobre a nomenclatura do termo Artes Visuais no sistema nacional e internacional das artes.

 

Naquele ano ocorreu em Maceió o projeto Ciclo Alagoas de Artes Visuais, do edital BNB Cultura, que apresentou na cidade uma série de cursos e debates, com Angélica de Moraes, Moacir dos Anjos, Nádja Peregrino, Cleomar Rocha e outros. Os participantes do Fórum sugeriram uma programação paralela, ou complementar, onde foram realizadas 8 exposições entre coletivas e individuais em diversos espaços expositivos de Maceió. Uma das principais exposições foi a mostra coletiva 1 (Hum), com 24 fotógrafos apresentando suas obras em linguagem contemporânea e suportes alternativos, na nova Galeria de Artes do Senac, cuja abertura teve um público de mais de 160 pessoas.

 

O Fórum estabeleceu ainda uma parceria com o Foto-Cineclube Antes Arte do Que Tarde, apresentando no Auditório do Senac uma mostra de vídeos produzidos em Alagoas, onde foram exibidas dez produções experimentais.

 

Na seqüência, em julho, adensando a parceria do Fórum com o Cineclube, foi fundado o Foto-Cine Clube AL, um núcleo dentro do Fórum que objetivou reunir interessados em Fotografia de Arte e Áudio Visual, tendo como primeira ação pública e gratuita a exibição do documentário “Sobras em Obras”, sobre a vida e obra do artista Geraldo de Barros.

 

O próximo passo, um pouco mais ousado, foi trazer para Maceió o físico e artista belga Etienne Delacroix, com doutorado no MIT - Massachusetts Institute of Technology, que apresentou uma proposta envolvendo arte, educação e inclusão digital. O mesmo realizou uma impactante conferência pública sensibilizando a platéia para questões da arte no encontro com a ciência e as novas tecnologias.

 

Em seguida, numa parceria com o Instituto Cultural Itaú, o Fórum apresentou em Maceió, o documentário “Investigações – O Trabalho do Artista”, apresentando os métodos de criação de sete importantes artistas brasileiros, cuja obra atualmente transita no circuito internacional das artes. O encontro foi seguido de debate, mediado pelo Prof. Dr. Ronaldo Bispo, da Ufal.

 

Ato seguinte, o Fórum trouxe para Maceió, o Laboratório de Criação - Processos Híbridos na Arte Contemporânea, com a Profª. Drª Sandra Rey, da UFRGS. A atividade, que contou com o apoio do Sebrae e da Secult, objetivou trabalhar as simplificações conceituais e operacionais visando ampliar a compreensão de questões que permeiam a arte contemporânea e o debate sobre obras, aprofundando assim os processos criativos dos participantes.

 

Com o objetivo de adensar ainda mais as discussões em torno do papel do artista na sociedade contemporânea, o Fórum realizou em outubro a conferência ”Cultura, Cooperação e Governos Locais”, com Vítor Ortiz (RS), diretor da Bienal do Mercosul. O palestrante abordou questões relativas à Agenda 21 da Cultura - histórico e conteúdo político; o papel dos governos locais na preservação da diversidade cultural; a democratização da cultura; e a globalização. O evento, ocorrido no auditório Aquatune, do Palácio da República dos Palmares, teve fundamental apoio do Sebrae, da Secult, do Senac e do Banco do Cidadão. Contou ainda com um debate protagonizado por Arkiman Pires / Diretor Regional Senac AL, Osvaldo Viégas / Secretário de Cultura Estado de Alagoas e Pedro Verdino / Presidente do Banco do Cidadão.

 

Nessa altura, o Fórum passou também a integrar o INAV, Instituto Nacional de Artes Visuais, uma rede virtual que conta com profissionais de diversos Estados do país, representando várias instituições do sistema das artes visuais. A idéia é que a produção visual alagoana tenha maior visibilidade em outras praças, outros mercados.

 

Em 2008, por conta das diversas atividades realizadas pelo Fórum, o mesmo ficou entre os três finalistas do Troféu Zumbi dos Palmares, realizado por S. Mag e TV Pajuçara, em concorrido evento na cidade de Maceió, onde foram exibidas imagens das diversas ações do Fórum.

 

Com as trocas de Ministro da Cultura e presidência da Funarte, e com os realinhamentos do Minc para as Câmaras Setoriais, no formato de Colegiados, sistema ao qual o Fórum permanece conectado e reportando atividades. Representantes do Fórum participaram da oficina do Sistema Nacional da Cultura, que ocorreu em setembro, em Maceió. Na ocasião, foram apresentadas propostas de inclusão ao texto final do SNC, que deverá ser posteriormente ser sancionado na forma de lei no Congresso.

 

Para o caso específico de Maceió e Alagoas, a conclusão a que se chegou é que se faz necessário que Estado e Município cumpram as premissas do Plano Nacional de Cultura, implementando as respectivas Leis de Incentivo; instituindo o Fundo Cultural; e os Conselhos Consultivos – com poder deliberativo – paritários e representativos, incluindo integrantes eleitos pelas classes das categorias artísticas. Outro assunto urgente: reformulação da Lei Rouanet.

 

Em outubro, por solicitação e suporte de participantes do Fórum, a Secult realizou o Seminário de Economia da Cultura nas Artes Visuais, com os palestrantes Carol Gusmão, Ronaldo Bispo, Cleomar Rocha e Vítor Ortiz, cujo evento ocorreu nas dependências do Memorial à República, com apoio de Ufal e Sebrae.

 

VII

Como se vê, por conta de variantes históricas, políticas, econômicas, geográficas, e mesmo culturais, o atual quadro das Artes Visuais em Alagoas carece de muitas ações transformadoras para seu desenvolvimento. Se é missão da classe artística e dever de toda a sociedade cobrar políticas públicas de fomento e acesso à cultura, então ainda estamos longe do melhor dos mundos, como o hábito que se vê em outros centros onde é comum aos finais de semana as famílias se dirigirem para as instituições e galerias que apresentam exposições de qualidade. Um sistema onde o artista local possa, não apenas acessar recursos para sua formação e para a produção de sua obra, de sua poética, mas apresentá-la e distribuí-la em sua comunidade e também em outros centros, para outros públicos. Um circuito onde se possa receber mostras significativas de brasileiros e estrangeiros, que circulam pelo Brasil.

 

Em verdade, consideramos a certeza de que tudo é ainda incipiente e embrionário, que há muito para se construir e aperfeiçoar num processo que só terá êxitos relevantes se for coletivo, plural e com efeitos multiplicadores e duradouros. Até aqui foi apenas desenhado um esboço e foram dadas as primeiras pinceladas...

 

 

 

Maceió, outubro de 2008.

 

 

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