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Dos videntes, dos advinhos, dos quiromantes.

Maceió, 26 de dezembro de 2008.

Minha irmã,

Não sei por que entre nós se estabeleceu uma tão grande e insuperável distância. Mais que física, mais que ideológica.
Entre nós um abismo imenso se instalou; não impede que nos acenemos mutuamente, porém é impossível ouvirmos a voz uma da outra. Na distância, tudo que falamos parece ininteligível e os sinais de fumaça que recebo nada significam, a não ser que há fogo; não um incêndio, mas um traiçoeiro "fogo de monturo" , que queima silencioso, porém não menos destrutivo.
Sinto que você caminha inocentemente sobre brasas ardentes, que lhe destruirão os pés, sem que disso você se dê conta. E, à essa distância, a minha voz não é ouvida, eu não posso avisar, nem prevenir. Acho mesmo que você não gostaria de que eu dissesse, ainda que da forma mais bem intencionada e delicada: Cuidado!
Ninguém gosta dos videntes, dos advinhos, dos quiromantes; eles são desgraças que tem a nefanda capacidade de mostrar o que não se quer ver. Mesmo a Bíblia dos homens os condenam, fogueiras foram erguidas para que queimassem suas línguas miseráveis e previdentes. É mais fácil culpar a Deus ou ao diabo, à falta de sorte ou o azar, que tomar para si o duro encargo de ser responsável por si mesmo, de ter que admitir que fomos prevenidos, fomos avisados, pelos advinhos, pelos videntes, pelos quiromantes.
Sinto pelo seu distanciamento, pelo abismo, por minha voz impotente, porém, sinto ainda mais por essa incoveniente vidência que me foi dada em má hora. Preferia, como todos os videntes, advinhos e quiromantes, ser cega às coisas que os olhos materiais não podem perceber.
Todos nós, os videntes, advinhos e quiromantes, preferiríamos ser como a maioria das pessoas, não sofrer o fardo da clarevidência, ver somente o que o ilusório mundo material apresenta, não poder dizer nada além da evidências físicas, nada perceber além do materialmente perceptível.
Estranhamente, nosso fardo é considerado um poder, invejado pelas pessoas, imitado toscamente por alguns que colocam placas em suas portas e recebem dinheiro para advinhar a sorte das pessoas, coisa impensável para nós.
Pagaria eu de bom grado, para me livrar desse fardo, que me faz ver o que não desejo e saber o que menos quero, mas não me ajuda a transpor a distância abismal entre eu e você.
Amo muito você, sofro muito por sua ausência e espero que um dia, quando meu dom sumir ou o seu se revelar, possamos nos aproximar de novo e compartir a vida e o destino, como fazíamos antes.


tua irmã

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Nádia Dias ESCRITO POR Nádia Dias Artista
Maceió - AL

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