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PROGRAMA MÁRCIA: ENTRETENIMENTO?

Por Jabs Barros

Falarei aqui sobre um programa que não tem nenhum cunho jornalístico, mas que por ser exibido em TV aberta, desempenha um papel de formador social. Esse, faz parte dos programas populares, não passa na verdade de um reality show. Em um Relatório Final do Projeto Integrado de Pesquisa, “Narrativas do Cotidiano: na mídia, na rua”, são citadas três características para esse tipo de programa. A primeira seria usar pessoas até então não reconhecidas, tidas como “pessoas comuns”, evitando colocar atores famosos, jogadores, enfim. Teria como segunda característica trazer fatos reais exageradamente - apesar de muitas vezes serem modificados como forma de ampliação da audiência -, mas a preocupação da veracidade dos fatos sempre ficava nas mãos dos telejornais. Como última característica, teria a invasão de privacidade, através de depoimentos ou até mesmo invadindo casas com câmeras escondidas.

No meu dicionário, entretenimento significa distração, passatempo ou divertimento. Só que não vejo junção entre as partes envolvidas e o Programa que falarei. A desgraça alheia é um divertimento? Para alguns até é, porém, não se deve explorar como produto, já que as soluções trazidas por esses programas são óbvias que qualquer vizinho ou amigo poderia resolver.

O programa é o da apresentadora Márcia Goldschmidt, exibido atualmente na TV Bandeirantes. Esse programa fere em diversos aspectos o Código de Ética do Jornalismo, além de outros, como o Estatuto da Criança e do Adolescente. Defender os direitos do ser humano, os valores da democracia representativa e a livre iniciativa, já não é o papel da televisão, se analisado do ponto de vista Márcia. Mas ela não é a única que faz isso, diversos outros programas tratam isso com muita naturalidade. A escolha do programa se deu porque ninguém faz isso com tanta primazia como ela. Ela, sim, é a absoluta. A cantora Stefhany que se cuide.

Com a facilidade de se divulgar notícias, fotos e vídeos pela rede mundial de computadores, pode-se ter acesso fácil a vídeos desse programa que pode identificar os vários problemas éticos ali existentes. No site “youtube”, podemos encontrá-los. Um deles mostra Márcia tentando apartar uma briga de senhoras e correndo como uma louca pelo palco. Aquele que tem uma percepção mais aguçada até diria que ela está fingindo se importar com a integridade física das senhoras, mas que sua audiência talvez seja a sua maior preocupação naquele momento.

No Código de Ética dos Jornalistas, estão expressos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o qual Márcia nunca deve ter lido. Nesse programa, dito “de utilidade pública”, deveria mostrar os fatos e as informações de interesse público, mas o que ele faz é mostrar situações do cotidiano como belos espetáculos para serem assistidos comendo pipoca e tomando coca-cola.

O ponto mais importante em seu programa deve ser este: “respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão”. O que mais se vê são detetives perseguindo casais em plena cidade, tentando flagrar a entrada em algum motel ou tentar fotografar algum beijo numa praça qualquer. Sem mencionar que o nome e o rosto do indivíduo é mostrado várias vezes durante o programa, como um foragido no Linha Direta, outro programa que fere algumas regras.

Num outro ponto ela realmente esbanja conhecimento: “defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial as das crianças, dos adolescentes, das mulheres, dos idosos, dos negros e das minorias”. Foi ao ar no dia 21/01/2008 e, como se não bastasse, reprisado no dia 04/03/2008, um programa no qual o direito à dignidade da criança não estava sendo levado em conta. O título da matéria era o seguinte: “Conflito entre casal: Eles tiveram um filho japonês”. Por aí já tiramos o quão apelativo o programa é e de um sensacionalismo exacerbado.

Enquanto o casal discutia de quem seria a paternidade da criança, várias fotos do menino de aproximadamente quatro anos eram exibidas exaustivamente, com a finalidade de comparação de seus traços faciais com as do genitor. Agora imagine o dia seguinte dessa criança na escola ou na rua ao brincar com seus colegas. Ele seria motivo de chacota por ter sido mostrado de maneira irresponsável. O Estatuto da Criança e do Adolescente e seu artigo 17, diz o seguinte:
Art. 17 - O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

E na página do seu programa no site da TV Bandeirantes, seu programa é descrito como “entretenimento”, acredite. Veja um trecho de sua propaganda: “Um programa dinâmico e ousado que, além de entretenimento, leva informação e orientação aos telespectadores”. Com certeza seria cômico, se não fosse trágico.

Conclui-se que não há preocupação nenhuma com os direitos humanos. O rádio, a TV, os jornais de um modo geral, todos devem ter esse compromisso. A mídia é grande influenciadora na vida das pessoas. Desde o modo de se vestir a certas ideologias, portanto, o compromisso ético deve ser aplicado em todos os seus patamares.


Fontes: band.com.br, fenaj.org.br, youtube.com
*Vários autores. Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade. Relatório Final do Projeto Integrado de Pesquisa “Narrativas do Cotidiano: na mídia, na rua”. S/d.

*Atualmente há o livro” Narrativas do Cotidiano: na mídia, na rua”, que foi organizado por César Guimarães e Vera França, lançado pela editora Autêntica.



Por Jabs Barros
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Comentários

Jabs Barros (Jabs Topadão)
Jabs Barros (Jabs Topadão)

Obrigado, Cris, por ter lido e comentado o meu texto. Fico feliz que tenha gostado e que isso tenha esclarecido alguma coisa a você. Sucesso nessa vida!