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O Garoto e a Guitarra

Valeu a pena?

Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

(Fernando Pessoa)

 

ERA UMA VEZum garoto que vivia sozinho com sua mãe, e que adorava ficar trancado em seu quarto. Ele não gostava de sair e só queria passar o dia tocando guitarra. Era sua maior paixão. Quando a mãe vinha chamá-lo para comer ou sair, ele gritava: — Não tô com fome não, mãe! Eu quero é tocar até virar o melhor! Mas ela não desistia e dizia: — Meu filhinho! Você tem que comer, senão vai ficar fraco. Todas as vezes que ela queria falar com ele, tinha que chamar e chamar bastante, até que ele a deixasse entrar.

Um dia. Preste atenção! Sempre que aparece nas estórias esse termo, um dia, é porque alguma coisa de diferente vai ocorrer. E nessa aconteceu assim. Um dia, enquanto o menino estava tocando, todo alegre, a guitarra falou com ele. — Calma! Calma! Seu garoto apressado! Você tá pensando que sou um pandeiro. Eu não sou feita pra levar pancada não! Me trate com muito carinho. Toque nas minhas cordas com muito cuidado, ou então, você nunca vai ser o melhor. O garoto estava de boca aberta. Ele nunca tinha visto as coisas falarem. E o que é pior, a coisa estava reclamando dele. Como se fosse gente. Isso é muito difícil de acreditar. Ele até pensou que era culpa da fome, porque já fazia muito tempo que não comia. Mas no mesmo instante sua barriga também falou com ele: — Não venha se queixar comigo não! Eu não tenho nada a ver com sua imaginação. É sempre assim: quando alguém começa a ouvir coisas, pensa logo que está com fome e a culpa é sempre minha. Pois resolva com sua guitarra e me deixe em paz. Aífoi que o garoto ficou mais nervoso, porque além da sua guitarra falar, agora sua barriga também estava falando. — E agora o que eu faço? Pensou ele. — Já sei, vou chamar minha mãe. E saiu correndo, desceu as escadas e foi direto para a cozinha, onde ela estava preparando o jantar.

Quando ela o viu tomou um susto, porque ele nunca saía do quarto sem que o chamassem muito, muito, muito.

— O que foi que aconteceu pra você sair do seu quarto?

— A minha guitarra tava falando comigo e a minha barriga também. Você tem que me ajudar, por favor!

— Meu filho, você tá imaginando demais. As coisas não falam. Os animais não falam. Somente nós falamos.

— Não, mãe! É verdade! Ela falou comigo. E o que é pior, reclamou de mim.

A mãe do garoto subiu até o quarto com ele e, quando abriu a porta, lá estava a guitarra em cima da cama, quieta como sempre. Então, ela deu uma bela risada e disse que tinha que descer, porque a comida iria queimar. E que chamaria o filho para jantar quando terminasse de cozinhar. E que não a chamasse mais. Ficasse no seu quarto até a hora da janta.

Mas o garoto que tanto amava sua guitarra, agora estava com medo de ficar sozinho com ela. Logo ele que não saía do quarto pra nada. Logo ele que passava horas e horas agarrado a ela. Então, foi chegando perto dela mais uma vez. Tentando fazer as pazes. Com cuidado, para que não ficasse brava novamente.

Começou logo tocando uma música suave. Sabia que tinha que ser mais carinhoso, para não perder a amizade da coisa mais importante na sua vida. Então tocou uma canção com melodia em tom menor. E mais outra. E mais outra. Os tons menores são suaves e com o dedilhado delicado do garoto ficava ainda mais bela a canção.

Depois de algum tempo, a guitarra falou novamente. Dessa vez com mais calma e sem reclamar.

— Agora sim! Você me tratou como mereço: Com muito carinho e suavidade. Se continuar assim, podemos ser grandes parceiros.Novamente o garoto se assustou...

— O quê!? Quem falou?

— Eu falei! Não finja que não sabe que sou eu.

— Mas minha mãe disse que as coisas não falam.

— O quê?! É claro que falamos! Sua mãe é que não pode nos ouvir. Sabe por quê? Porque ela é adulta. E os adultos só ouvem o que querem. Eles não se preocupam com os pequenos barulhos ou com as falas dos animais e das coisas. Não! Não! O que importa para eles é só o próprio umbigo.

— Ei! Não fala assim da minha mãe. Foi ela quem deu você pra mim. E ela é muito legal. Não é isso que você disse não.

— Tá bom! Tá bom! Deixa os adultos pra lá e vamos conversar um pouco.

Então os dois passaram a noite toda conversando. O garoto perguntava o que deveria fazer para tocar cada vez melhor e a guitarra questionava como seria quando ele crescesse e se tornasse um adulto. Ela tinha medo de ser abandonada, jogada num canto. Tinha medo de enferrujar e ser vendida para o ferro velho. Mas o garoto prometeu que nunca, mas nunca mesmo, iria abandonar a sua melhor amiga. E que juntos, seriam a melhor dupla do mundo da música.

Quando o dia amanheceu, a mãe do garoto foi bem devagar ao quarto dele para ver se estava tudo bem. Chegando lá viu os dois deitados na cama. O garoto e a guitarra dormiram abraçados. Juntos. Porque é assim que fazemos quando gostamos muito de um presente ou de uma coisa que possuímos. Por isso, ela não o chamou para tomar café. Deixou que dormissem até... E quando acordaram já era quase hora do almoço. Então, ele desceu correndo as escadas e foi contar tudo para sua mãe que, riu muito e, para não contrariá-lo, disse que acreditava.

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AdrianoRockSilva ESCRITO POR AdrianoRockSilva Autor
Maceió - AL

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