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Carta para a posteridade

Alô Marcianos, ou seja lá o que vocês forem...

            Vivo no planeta Terra. Vocês o conhecem? Desconfio que sim! Moro numa coisa chamada cidade. Numa cidade existem muitas coisas: casas, prédios, carros, bicicletas, árvores, hospitais, farmácias, escolas, igrejas – onde vivem a cultuar um Deus que nunca mostrou a face para os pecadores – sim, é isso mesmo, cultuamos um Deus espiritual. Conheci pessoas que morreram com mais de 100 anos, mas nunca me disseram como é a face de Deus. Vocês têm deuses, deuses marcianos? Vivo no século XXI. Ainda usamos roupas à base de algodão. Calço sapatos à base de couro, mas ultimamente trocaram o couro por fibra sintética, porque o couro dos animais anda meio extinto por aqui, não sabe? Ora, Marcianos, ou ETs ou Óvnis seja lá o que vocês forem, ando meio triste com o meu mundo. Ele anda meio doidão. Existem muitas guerras – homem matando homem. Países matando países.

            Existe em meu mundo muita fome, mas bilhões e bilhões de dólares as nações queimam enviando gente para tentar descobrir a existência de vocês por aí, nem sei onde. Será que não dava para vocês mostrarem logo a cara, não? Só assim poderíamos economizar alguns bilhões e usá-los lá na África, onde milhares de crianças esqueléticas morrem de fome. Ou aqui no Brasil, para combater a criminalidade.

Sabem o que é uma criança? Não? É um ser humano em estado de miniatura. Vocês têm crianças? Crianças Ets?

            Senhores OVNIS, eu vivo numa cidade. Numa cidade existe de tudo: existe a prostituta, o padre, a madre, a freira, o bispo, o professor, a doméstica, o coveiro – que nos enterra – existe o comerciante, o comerciário, o farmacêutico, o jornalista, o empresário, o político – que nos subtrai recursos – existem também as beatas que encomendam nossas almas ao céu. Existe o mendigo, o menino nas ruas, o traficante, o policial, o prefeito, o governador, o Presidente, existe de tudo numa cidade, senhores OVNIS. Vocês têm cidades? Quando vocês lerem isso, não existirá de minha pessoa nem mais as cinzas, apenas minha memória transformadaem letrinhas. Mas, querem saber mais o que existe numa cidade? Existe a infâmia, a incompreensão, a falsidade, a covardia, a violência, a leviandade, o orgulho, a vaidade. Existe também o sonegador de impostos, o administrador corrupto, o fiscal gatuno, o bandido. Sabem o que é um bandido? Um cara que se diz humano e que insiste em roubar, em matar, em violentar os bons princípios. Sim, senhores do futuro, ainda existe por aqui a palavra “princípios”, se bem que em estado de dicionário, mas existe. Vocês têm princípios? Que princípios vocês têm? Aqui, nesse século XXI, princípio é coisa jurássica. O que vale, senhores do espaço, o que vale aqui é o dinheiro. O dinheiro só não compra o perdão de Deus, mas o recomenda. Com dinheiro você aqui vira gente de brios, mesmo que não saiba de nada, seja analfabeto. Vocês sabem o que é analfabeto? Explico: Analfabeto é uma pessoa que fala e sua língua morre juntamente com ele. Entenderam? Não? Então não precisa entender.

            Já encerro, tenham paciência! Quero apenas dizer o que não existe numa cidade, uma vez que já disse quase tudo que nela existe. Pois bem, senhores do futuro, a única coisa que não existe mais numa cidade é o respeito de um ser humano para com o outro. Merecemos ter futuro?

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Erisvaldo Vieira ESCRITO POR Erisvaldo Vieira Escritor
Palmeira dos Índios - AL

Membro desde Julho de 2012

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