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DESENCANTOS DA VIDA MODERNA

                  Como um náutico sem bússola, aqui estou eu. Não sei por quanto tempo. Mesmo assim, sou renitente. Estou hoje à deriva! O meu futuro é duvidoso. Não vejo nada pela frente. Só sei que nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. Se tudo passa, se tudo sempre passará... Vou esperar pra ver. Que a vida vem em ondas, disso não me restam dúvidas. Mas nunca imaginei que elas fossem tão bravas e altas.  Elas, por inúmeras vezes, tentaram me afogar. Elas são cruéis e não querem saber se você ajudou uma velhinha a atravessar a rua. Elas são malignas. Ainda estão tentando capotar meu barco — se é que barco capota — que é a existência... Insistentemente tentando me naufragar. Agora acho que usei o verbo certo. Mas isso não importa. O que importa é que elas são sanguinárias. Não sei como ainda não sucumbi, acho que devo ter parentesco com os Óvnis. 

            Não sou faca não sou plumas, sou apenas consciência reflexiva e sentido. Ambos dilacerados esporadicamente pela hedionda falta de perspectiva.  É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã; mas, não me disseram que precisamos também ser amados para amar.

            Mas afinal, eu devia estar contente porque tenho um bom emprego, sou o dito cidadão respeitado e ganho uma mixaria que dá pra comer algo por mês... Eu devia. Mas não me sinto. Se alguma alma cândida quiser atirar a primeira pedra por eu ser assim, — que acredito serem muitas — que fique à vontade. Cada um dá o que tem. Estou aqui mais escrevendo para mim mesmo — única pessoa que tenta me entender de verdade — do que para os outros. Afinal, os outros são os outros e cada um sabe onde o sapato aperta.

            O espírito, às vezes, deseja elucidar revelações fortes que faz à consciência; mas, com medo, prefere aniquilar-se, desfazer-se, anular-se. Ele tem medo da consciência; não somente da consciência dele, mas a consciência dos seres bestializados do mundo hodierno. Revelar coisas sérias é sinal de fraqueza e, em uníssono, é sinal de loucura. Na ópera da existência, poucos desafinam na melodia da incompreensão: uns, fugindo da mesmice e da escravidão da vida moderna; outros, por sinal de pura condolência. Ambos são tragados pelo maestro Phd em mesmices e demitidos da orquestra sem direito a Habeas Corpus.

O correto é não ser correto. O normal é ser igual a todos. Assassinaram o filósofo que dizia que “o caminho é o não-caminho”, acharam-no louco... E a vida segue numa valsa de uma nota só. Ou talvez no samba do crioulo doido.

            Sabe de uma coisa: Garota, eu vou é pra Califórnia, viver a vida sobre as ondas, vou ser artista de cinema, o meu destino é ser star. Mas vem um chato e me diz que as ondas andam de querer destruir cidades lá no país dos brancos do norte e outro mais chato ainda me alerta que morreu o ator que fazia a propaganda do Hollywood, Um Sucesso. Para onde vou então? E agora, José? E agora, você? Você que é sem nome, que zomba dos outros, você que não tem nem uma parede nua pra se encostar? Sem cavalo preto que fuja à galope, você marcha, marcha, marcha José, José...para onde?... Você marcha José, mas seu pangaré morre de cansaço e de fome. Para onde? Sua doce palavra, seu terno de vidro, sua biblioteca... Camões não está aqui para roçar a língua dele na nossa língua, na minha língua; por isso, “o barrer” e o “despois” ficaram obsoletos, esvairam-se qual um andarilho no deserto que morreu de sede sulcado por pequenos dragões da poeira. Quem se preocupou com ele? Quem se lembrou que ele queria ter uma família, uma casa e meninos gordos cheios de vida soltando fogos no São João e pipas ao raiar das tardes? Quem dele se lembrou? Ora, está prostrado, só o esqueleto, no meio do deserto, coberto de poeira. “E o deserto vai virar mar...” Que mar, Euclides da Cunha? Aqui tá uma verdadeira balbúrdia, eufemizando a coisa; porque se fôssemos 'deusfemizar', diríamos que aqui tá uma verdadeira zorra mesmo. Uma zorra total.

O José, de Drummond, está mais perdido que, gauchescamente falando, “cusco em procissão”; nordestinamente hablando mais perdido que cego em tiroteio”.  Assim se reduziu o teu José, mago das palavras exatas. O Jó, em Nínive, era um homem feliz e não sabia, se comparado ao José de Drummond. Mas... E agora, José? E agora, você? Que está lendo esta coisa chamada crônica? Para onde você vai? Vem? Aí vem a Lispector, a afamada Clarice Lispector e põe mais lenha na fogueira existencial: “Enquanto existirem perguntas sem respostas, continuarei escrevendo”. Ela traiu a vida banal e enamorou-se de um amante cruel: o tom confessional.

Mas o Toquinho, esse ser otimista e alheio à vida difícil de muitos, vem com sua melodia nos mandando “desenhar um sol amarelo e dizendo ser fácil fazer um castelo, como se existissem, no sentido strictu, sóis vermelhos, verdes, azuis, rosas... e ainda tem o afoitamento de nos mandar construir castelos. Será que ele não sabe que existe sol entre nuvens? Será que ele não sabe que existem castelos em ruínas? Não sei, mas, pela tentativa de tentar — não levem em conta o pleonasmo, é proposital — pela tentativa de soerguer almas esfaceladas e sem perspectivas, até que a música é bonitinha, linda, maravilhosa... Para almas comuns, claro, pois a única dádiva que possuem é a esperança! Não me achem pessimista, sou apenas realista. E se ser realista é ser pessimista, então eu sou, oras! Cada um pode ser aquilo que quiser neste país sério, de políticos sérios de educação séria. Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.  Todos podem ser otimistas, menos para almas como a de Clarice Lispector, Ernest Hemingway e Edgar Allan Poe, nocauteadas pelo grilhões existenciais. Grilhões sempre nos forjam uma perfídia astuto ardil.

Mas, vamos dar um tempo nessa tragicomédia da vida moderna.

“Esse ano, eu quero é paz no meu coração, quem quiser ter um amigo, que me dê a mão. O tempo passa e com ele caminhamos todos juntos sem parar. Nossos passos pelos chão vão ficar —  pelos menos por alguns dias, pois as varredeiras da prefeitura não tão nem aí para esta filosofia com seus salários milionários. Mas eu dizia que quem quiser ter um amigo, que me dê a mão. Mas essa mão que venha, de preferência, com alguns reais, de preferência dólares, pois o clínico do hospital é racista e preconceituoso, e as filas da Saúde vivem doentes. Os médicos não olham nem pra cara da gente. Vão logo canetando o nosso destino infame enquanto aguardam, ansiosos, a hora de sair com aquela peruazinha recém entrada na enfermaria.

Vamos deixar de malcriações e falar sério: “Eu te amo, meu Brasil, eu te amo. Meu coração é verde, amarelo e branco azul anil. Eu te amo, meu Brasil, eu te amo... ninguém segura a juventude do Brasil”.

Eu te amo, meu Brasil, eu te amo... Mesmo você me tratando como indigente nas filas do SUS depois de eu ter contribuído minha vida inteira para te encher de reais; eu te amo, meu Brasil.

“Ninguém segura a juventude do Brasil, Brasil”, mesmo você gastando mais na compra de um avião que na soma total do programa de geração do primeiro emprego. Mas amor é amor... E eu te amo. Afinal, o nosso Gonçalves Dias foi taxativo: “Nosso céu tem mais estrelas, nossas várzeas têm mais flores, nossas flores têm mais vida, nossa vida mais amores”. Que lindo! Estou emocionado! E o Brasil vive deitado eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo, dormindo um sono bem gostoso depois de ter tomado umas biritas na esquina do Manoel.

Definitivamente, Brasil, isso já está certo: eu te amo! Mesmo que lá no Congresso, milhões e milhões de reais sejam “desviados” — odeio eufemismos — sejam roubados mesmo... E falte o dinheiro para a construção de casas populares; que falte o dinheiro para o leite do filho do professor, do policial, da doméstica, do trabalhador do campo... Não importa se uma velhinha ou velhinho morrem numa fila em busca de atendimento. Ora! Era só um velhinho sem nome, sem rosto, sem alma, sem política nas veias!... Não importa se eu preciso dormir numa calçada de um posto de atendimento para ser clinicado e não consigo. Ora, afinal, ricos são ricos. Temos que aceitar o destino. Há aqueles que nascem para ser escravos e aqueles que nascem para ser senhores. Não é verdade? Brasília está cheio deles. Ao senhor é permitido comer das iguarias de milhares de reais; o pobre que se contente com umas piabas secas e uma porção de farinha azeda. As beatas concordam comigo. “Se é assim, é porque Deus quis...” E colocam Deus sempre como responsável por tudo. E a vida segue sua normalidade. Não para Darcy Ribeiro... Mas deixemos o Darcyem paz. Eleé exímio e nós sofremos de miopia social.

Mesmo assim, eu te amo meu Brasil varonil — quem sabe o que é “varonil? —     Porque amor é amor. E o amor é um menino sem vontades e de sentimentos sem uso, segundo o Pe. Antônio Vieira. Por isso eu te amo, meu Brasil.


Erisvaldo Vieira, outubro de 2005.

 

 

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Erisvaldo Vieira ESCRITO POR Erisvaldo Vieira Escritor
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