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O ESTILO É A ALMA DO ESCRITOR

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O estilo de cada um é sua verdadeira impressão digital, é a sua marca, ou mais ainda, é a própria alma de quem escreve, seja lá qual for a espécie de escrita. Tanto faz se é uma simples carta, um bilhete informal, uma monografia científica ou uma obra literária, desde uma simples crônica a um romance épico. Não importa. Ao escrever seu trabalho, o autor deixa estampado, indelevelmente, sua personalidade, aflorando suas angústias, perspectivas, medo, crítica social, senso de humor, grau de solidariedade, nível de conhecimento, calor humano, etc. Lógico que, dependendo da natureza do escrito, sobressai-se mais evidente uma ou outra característica, mas, no mínimo, pelo menos uma delas estará presente no trabalho.

Ao escrever, o autor empresta à obra o que há de mais profundo em seu íntimo, chegando a escrever coisas que nem sabia que era capaz. Isso explica nossa riqueza interior e só depende de nós sua exploração. Não podemos esquecer que todos os conhecimentos, vivências, experiências, traumas, e tudo o mais que suportamos dia a dia, desde a palmada que recebemos ao nascer até a angústia às vezes causadas no ato de escrever, vêm à tona nesse momento mágico, onde expomos a força interior do nosso trabalho. Reparem que não é incomum a falta de assunto antes de iniciarmos um escrito. Eu, por exemplo, às vezes penso bastante antes de escrever alguma coisa e quando já estou perto de desistir, de ímpeto, começo a rabiscar algo e esse algo vai fluindo, aumentando e bum, o texto está pronto. Certo que não sai nenhum tesouro literário, afinal, não sou Graciliano, Drumond, Vinícius, Machado ou outro ícone da literatura, mas, pelo menos para mim, que escrevo sem qualquer pretensão, fico feliz com o resultado. E é aí, talvez, quando escrevemos por impulso, impelidos pela natural necessidade de desabafar que nos mostramos mais acentuadamente, nos despindo da vergonha, timidez e temores que nos assolam, tão natural na frágil espécie humana.

É justamente a conjugação de tudo isso, de todas essas experiências e características, que edifica o estilo literário de cada um. Não adianta fugir do seu estilo e tentar imitar outro autor, pois seu texto soará falso, frágil, inconsistente e sem personalidade e o pior, mesmo que agrade a alguns, jamais agradará quem escreveu, porque ele sabe que falta ali a essência do texto: sua alma.

Esclareço que estilo não se confunde com técnica, configurando-se, ambas, coisas completamente diferentes. A técnica pode ser modificada, revista, pode tornar-se mais apurada, mais refinada, aliás, a evolução da técnica é até recomendável, ou melhor, é necessária mesmo e está diretamente interligada ao crescimento do autor. A técnica é exterior e demonstra o nível intelectual do escritor, sua escola literária, sua capacidade de síntese e argumentação, enfim, a soma das capacidades técnicas forma os métodos empregados pelo autor em seus escritos. Já o estilo é de alcance infinitamente maior, posto que, além de contar em sua formação com as técnicas assimiladas pelo autor, trazem em seu bojo uma herança única,  a individualidade de cada um e é isto que faz a diferença. Dois autores podem ter até técnicas iguais, contudo, jamais terão estilos idênticos.

O que afirmo não é difícil de comprovar. Quem escreveria Romeu e Julieta com estilo idêntico ao de seu autor? Impossível. Nenhum outro escritor descreveria uma tragédia, com todos os requintes de infortúnio e, ao mesmo tempo, impermeabilizá-la com a couraça instransponível de um amor tão intenso, que fizesse essa tragédia ser lembrada mais como obra romântica. Só mesmo Shakespeare, ninguém mais. Cito, também, Garota de Ipanema, uma obra prima da música brasileira (e mundial), escrita por Vinícius de Moraes, sob a musicalidade de Tom Jobim. Quem no mundo, além do Poetinha (apelido carinhoso de Vinícius), relataria o balanço de uma moça na praia, de forma tão sublime e poética? Tenho certeza que nenhum outro faria igual. Que dizer, então, de Machado de Assis. Qual outro autor poria tanta dúvida nos leitores, quanto à  honestidade   de uma personagem, com a sutileza machadiana. Afinal, Capitu traiu ou não traiu? Ninguém sabe e isso devido não a uma simples técnica, mas ao refinado estilo de Machado.

O estilo, como visto, é a pedra de toque do escritor e é mais que escola literária, mais que técnica, mais que metodologia. O estilo vai mais longe, mais profundo. O estilo é a alma do autor transportada para o seu texto.


(Sander Dantas Cavalcante)

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Sander ESCRITO POR Sander Escritor
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