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SEU MAIOR SONHO


 

            Enfim, o dia da formatura chegara. No salão de festas tudo estava iluminado. Mesas fartas, gente bonita transitando de um lado para o outro entre risos e abraços. Garçons em roupa de gala e mestres de cerimônia em suas tradicionais formalidades.

            Eveline estava mais bela que nunca naquela roupa feita sob medida, só para ela, pelas mãos nobres de um estilista importante. Bela e radiante. Nem podia acreditar que aos vinte e três anos de idade já era jornalista.

            Eveline era filha de um comerciante bem sucedido no ramo de hotelaria. Ela, realmente, em matéria de beleza, tinha todos aqueles atributos físicos desejados por muitas garotas de sua idade. Seus olhos verdes, seus cabelos loiros, sua pele clara, tudo contribuía para que ela fosse bem sucedida na vida. Em nada perdia para as apresentadoras de televisão. Tentaria ingressar no jornalismo de alguma revista, jornal ou TV. De preferência que fosse na TV, seu maior sonho. Como já dissemos, a beleza da moça era algo de estonteante, estava mais bonita, inclusive, do que Julianna, considerada a mais namoradeira da Universidade.  Nunca entendeu por que ela, Eveline, sendo muito mais atraente que a amiga Julianna, tinha tanta dificuldade de arrumar namoro. Seus relacionamentos eram rápidos e esporádicos.

            — Oi, Eveline, como você está bonita, menina! Nossa! — Declara Julianna.

            — Você também está um arraso, garota.

            — Estão nos chamando lá no palco, vamos?

— Julianna, posso te pedir um favor?

— Diz, miga!

— Na hora da foto oficial não deixa a Maria da Glória ficar perto de mim, tá?

            — Eveline, será que você nunca muda de opinião?

            Maria da Glória era afro descendente, pretinha mesmo. De branco tinha apenas os olhos e os dentes. De todas as formandas de jornalismo, ela era a mais talentosa, a mais culta e terminara o curso com a nota máxima. Tinha apenas um defeito, segundo Eveline: ser preta. Glória sabia que Eveline era racista desde muito e até já discutira forte com ela, motivo pelo qual não se davam bem.

            Maria da Glória viera de uma escola pública, como bolsista. Depois que o pai morreu, era ela quem cuidava da mãe e de outros dois irmãos menores. Dividia-se entre a Universidade pela manhã e o trabalho de atendente comercial à tarde e aulas de reforço três vezes por semana à noite. Uma batalhadora. Na Universidade gozava de muita simpatia junto aos professores, principalmente por sua inteligência e espírito de luta. Só a Eveline não gostava dela, não gostava dela porque Glória era... Preta. Para Eveline, ser de cor preta era sinônimo de sub-raça. Não entendia como a Glória, a pretinha Glória, conseguia notas tão elevadas. Talvez fosse porque era preta e pobre e assim, os professores a protegiam. “Ela que fique na fila de trás, longe de mim”, pensou Eveline dirigindo-se ao palco para a sessão de fotos.

            — Não se preocupe, dona Eveline, não vou “escurecer” sua “claridade”! — Declara Glória percebendo o esforço de Eveline para distanciar-se dela.

            — Mas é metida! É bom mesmo que fique distante! — E calou-se. Fosse em outro local, certamente as coisas não terminariam naquele silêncio de formalidades.

            A festa terminou quase o sol nascendo.

            Saindo do evento, exaustas, eis que o carro da família de Eveline, com motorista e tudo, chega para buscá-la. Algumas aproveitam a carona “gentilmente” oferecida pela branquinha de olhos verdes. Já no caminho:

            — Eveline, aquela que vai lá não é a Glória? Vamos ar uma carona pra ela!

            — Quem? Eu? Aquela negrinha chata? De jeito nenhum. Não quero sujar o carro. — Declara para a amiga Anabel.

            Anabel não gostou do que ouviu, mas estava de carona, preferiu engolir tudo calada.

            O tempo passou... um, dois, três... oito anos.

            Eveline começou escrevendo para um jornal na coluna sobre política. Posteriormente foi promovida para o cargo de redatora auxiliar e conseguiu depois ocupar o cargo máximo naquela jornal, só perdia para o dono. Uma revista de circulação nacional, especializada em assuntos políticos, seria o seu próximo emprego. Nessa revista conseguiu comprar um pequeno apartamento e um carro novinhoem folha. Nessaépoca, o pai falira e passara a depender da própria filha e de uns poucos imóveis de que ainda dispunha para sobreviver. Ela, naquele momento, era quem ajudava a família a não ir para a miséria.

            A garota se destacava cada vez mais no jornalismo e era assediada por outras revistas de renome. Em três anos assinara contrato com duas importantes outras revistas, mas seu sonho mesmo era trabalhar no jornalismo de alguma emissora de televisão. Depois de mais alguns anos, finalmente, a oportunidade chegou. Uma emissora de porte a convidou para uma entrevista. Era a chance da sua vida. Nesse dia comprou roupa caríssima, gastou com cabeleireiro famoso, fez as unhas e tudo o que o dinheiro pode transformar numa mulher.

            O grande dia chegou. Seu maior sonho estava batendo-lhe à porta.

            A entrevista seria às oito horas. Ela chegou meia hora antes, como manda o bom costume.

            Lá pelas oito e quinze foi introduzida na sala de um refinado senhor, especialista nesse tipo de processo seletivo. Sentiu-se um pouco nervosa, mas confiante que se sairia bem. “Não se saíra em tantas outras”?, raciocinava.

            E não deu outra. Eveline se deu bem na entrevista. Mas, para sua decepção, aquela entrevista não era a definitiva. Haveria outra. Assim, dois dias depois, Eveline mais uma vez voltou à sede da emissora.

            — Um momentinho, senhora Eveline, que vou ver se já podem atendê-la.

            Cinco minutos depois, o gentleman retornou.

            — Peço-lhe milhões de desculpas, senhora, mas a senhora não vai poder ser atendida hoje. A pessoa encarregada de entrevistá-la está muito ocupada com a redação do telejornal que vai ao ar hoje às oito. Pode ser na sexta-feira?

            — Ora, mas claro! Entendo o que são obrigações. Não se preocupe, volto na sexta.

            Eveline andou quase duas semanas sem conseguir ser atendida. Algo estava errado, certamente. Mas no décimo oitavo dia, já sem esperanças, finalmente seria entrevistada. De repente isso seria um teste de persistência para ela, quem sabe?. A empresa queria saber se realmente estava determinada. Mas agora era diferente. Seria finalmente atendida. Seu maior sonho de infância, trabalhar na TV, tornar-se-ia uma realidade.

            — Pode ir, senhora Eveline, é na sala grande de vidros fumê no final do corredor.

 Ajeitou a roupa, retocou discretamente o batom, balançou os cabelos...

— Toc! Toc! Toc!

— Pode entrar, a porta está aberta.

            Calmamente Eveline roda o trinco e abre a porta. A pessoa lá do outro lado, sentada refesteladamente, cumprimenta-a em voz calma e tranqüila:

            — Como vai, senhora Eveline de Castro!?

            — Glória!?!? — desmaia.

            Era a “negrinha” Glória a redatora chefe daquele telejornal. Respeitadíssima, inclusive a preferida do dono daquela empresa de televisão.

            —Você, leitor (a) é a Glória. Eveline trabalha ou não na emissora?

            (   ) sim...   (   ) não

            Por quê?

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Erisvaldo Vieira ESCRITO POR Erisvaldo Vieira Escritor
Palmeira dos Índios - AL

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