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Das estorinhas para a história dos amigos

Uma é homônima de um dos personagens de Maurício de Souza; enquanto a outra, de Monteiro Lobato. Amigas inseparáveis, cúmplices em segredos, gostos e gestos há anos-luz – uma geme, a outra sente a dor; uma gasta, o bolso da outra também aperta; uma opera, o cansaço da lida resvala na outra; uma bebe, a outra acompanha... Unem-se, diuturnamente, para comporem histórias inéditas na vida real, capitaneando grupos de amigos, que lhes confiam o planejamento das aventuras nas trilhas que levam ao pôr do sol no cume das montanhas. E mesmo as que dão errado, dão certo. Até “arrodeiam”, mas a diversão é garantida.

Rádio VHS à mão e programação, metódica e previamente, preparada, ilustrada com motivo junino; inclusive, consignando o valor monetário por pessoa – e não poderia ser diferente – com vistas ao custeio da festa principal, no sítio do namorado anfitrião, em Areia/PB; com direito a trio de forró e muito mais, comidas típicas e a genuína cachaça Triunfo, como carro-chefe das bebidas. Os 4 x 4 deveriam estar estacionados às 6 h, no posto de sempre.

“Não se atrasem, eis que o caminho é longo! Ah, todos vestidos de camisa vermelha, porque a festa em Galante reúne muita gente e, assim, fica mais fácil de sermos identificados uns pelos outros, ‘copiado’?” – sentenciou uma das arregimentadoras de alegria, que buscou posicionar-se no “rabo da gata”, a fim de não perder nenhum de seus conduzidos.  

A primeira parada fora para abastecimento com um farto café da manhã regional. E, mesmo indicada no roteiro como sendo do lado esquerdo, foi localizada, pelo grupo, no lado direito da pista – hora de agir quem sabe que ganha a piada, sem risco de perder a amizade. “O café da manhã está incluso no preço?” – pergunta que não calou jamais na boca dos mais entusiasmados galhofadores. À guisa dos personagens sorteados por Mução, a homônima das historinhas de Maurício de Souza “pegava ar”e ia respondendo com seu impropério favorito: “32 minutos de... para você, amigo”! – a esse comando ninguém obedece e a retruca são, de fato, as gargalhadas.

Na primeira parada da Paraíba, onde seriam transmitidas novas instruções, desta feita, com o respaldo do namorado anfitrião, o grupo foi elastecido com a junção de outros membros, que ali aguardavam de garganta seca, em homenagem à “Lei Seca” – afinal, jipeiro que se preza respeita o comboio, as normas de trânsito e não olvida do meio-ambiente, onde está desenhada a sua trilha, por certo. Todos, sem exceção, esbanjavam animação. No restaurante do posto de combustível, só se via gente com cor vermelha e motor de 4 x 4 roncando.

Na subida rumo a Galante, inferiu-se, de pronto, que a festa prometia coroamento, eis que avultava marcas de grandes patrocinadores, nos postes. A chegada, contudo, firmou a imagem da estrutura do que seria um grande evento popular: barracas dispersas ao longo de todo o maior logradouro desse distrito de Campina Grande, enfeitadas com bandeirolas... Música, pessoas e pés arrastando, forró, comida e bebida?! Nada, nada, nada... De rádio em rádio, então, o que se ouviam era “quero meu dinheiro de volta!” – risos e mais risos.

A redenção era a visita à Pedra de Santo Antônio, em Fagundes. Para os desejosos por casamento, estava lá a pedra, impassível, esperando que esses sonhadores passassem por baixo da abertura que havia em si. Quem casado fosse e ou estivesse satisfeito
com a “solterice”, havia um vasto e belo vale a ser contemplado a exaltar a pequenez de casa um e a grandiosidade de Deus, além de, quem sabe, acossar a inspiração poética de alguém. 

O sábado confirmou a vocação do jipeiro: encontrar barro, mato e lama. As trilhas iam sendo superadas com degustação de cachaça nos engenhos vários - exceto por quem dirigia ou fosse dirigir -, muitos dos quais centenários. Num deles, foi apresentado aos trilheiros o processo de confecção da cachaça em máquinas francesas, fabricadas no ano de 1865 e, ainda hoje, gerando riquezas. Goles de cachaça, cultura e adrenalina iam sendo sorvidos ao longo do percurso.

À noite, deu-se o ponto culminante da programação. Uma festa à guisa da época: fogos de artifício, forró (“for all”), bebida, churrasco, milho, amendoim e muita alegria, tudo, por conta dos trinta e cinco (R$). Os noivos – um casal “2 x 2”, em tamanho, mas 16 x 16, em virtudes, que, nesse dia, emplacava 30 anos de vida conjugal -, adequadamente trajados, foi abençoado pelo irreverente padre, um jipeiro que tem um macaquinho de pelúcia, como mascote. O dote da noiva foi uma sacola de feira recheada com utensílios domésticos: urupemba, penico, bacia e uma colher de pau multifuncional para começarem a vida.

A homônima da “boneca de pano”, agradeceu aos animados e animadores comensais: “à fulano, por Nossa Senhora”, quem nos ajudou a enfeitar o ambiente; a D. Cicrana, minha sogra, por meu “Padinho Ciço”, quem me deu asas – em ausência sentida; à beltrano, por São José dos (?), que forneceu a cachaça...”. Ela esquecera, todavia, de creditar votos ao santo homenageado do dia: São Pedro! A outra amiga, por sua vez, vingara-se, em alto estilo: anunciou a candidatura da esposa do galhofador-mor, conhecido por seu ciúme, a vereadora do município distante onde exerce sua profissão. Sob aplausos e risos dos presentes, respondeu fazendo bico e “hum, hum”. Não ficaria com esse prejuízo, ora essa! Averbou-se do direito à tréplica, tomara do microfone para anunciar um jantar que não existia – mais risos.

 E, como toda festa dessa turma, essa terminou com a vontade de que outra começasse!

Simone Moura e Mendes

(Publicada em O Jornal, edição de 02/10;2012 – (sem os cortes para atendimento à diagramação).

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Simone Moura e Mendes ESCRITO POR Simone Moura e Mendes Escritora
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