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Eu também sou autista

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São poucas as informações que tenho diante da imensidão de questões que envolvem o autista. Por mais que eu busque constantemente me informar sobre o modo como devo me comportar diante dele, como conversar com ele, como chamar a atenção de um autista, ainda assim encontro dificuldades de comunicação em meu convívio. 

Tenho um primo de quatro anos que é autista, e a rotina de todos aqui em casa é um pouco baugançada - estou querendo relevar a situação. Vivemos com as portas de nossos quartos trancadas, pois sua ânsia de jogar as nossas sandálias o mais alto que pode é maior que ele;

Perdemos chaves, sandálias, roupas e qualquer material nosso que deixe próximo a ele. Acordamos com sapatos em nossas caras, com seus gritos afinados ecoando pela casa e quando sentimos a casa silenciosa demais já sabemos que ele está defronte a geladeira aberta, sentindo a sua temperatura.

Um dia, o entregador de cartas apareceu pedindo que ele entregasse a correspondência à minha avó, ele, nem se quer olhou para o homem, simplesmente pegou o papel e não contou até dois para fazer picadinhos dele.

Já perdi mouse que ele pegou e jogou contra a parede, minha web, cam da qual ele jogou e quando eu vim me dá conta ela estava na calçada de casa molhada pela chuva; meu carregador de tantas quedas que ele já deu; e até meu computador está todo arranhado de tanto que ele já cismou. Ele briga todos os dias com meu computador. 

Minha avó já encheu uma bacia de garrafas pet que ele costuma jogar em cima do guarda-roupas.

Já dormimos 4 horas da manhã observando este pequeno anjo rodando pela casa feito um peão, correndo da cozinha à sala e da sala à cozinha. Ele acorda às seis da manhã e seu sono chega por voltas das nove ou dez da noite. Não temos ideia de onde vem tanta energia.

Brigamos com ele, tentamos chamar sua atenção, mas ele não nos escuta e não nos olha nos olhos. Quando ficamos de frente a ele, tentando fazer com que ele nos enxergue, é como se nenhuma imagem estivesse diante dele. Seu olhar é desviado para o teto ou para os lados. 


Sua idade, como foi dita, é de quatro anos, mas ele não fala, e aprendeu a andar muito tarde. Mas é um menino muito esperto e sabemos de tudo o que quer.

Sabemos por exemplo que ele quer assistir a galinha pintadinha quando ele pega em nossas mãos e levam-nas até a televisão;

Sabemos que ele quer seu suco geladinho quando ele pega em nossas mãos e nos leva até a geladeira;

Sabemos que ele quer um banho gostoso quando ele pega em nossas mãos e nos puxa até o banheiro.

Dele não recebemos nenhum carinho. Ele não nos beija, não nos abraça, não alisa nossos cabelos, pelo contrário, puxa-os. E quando nos aproximamos, ele sai de perto, mantendo-se isolado.

No entanto, com tudo o que ele deixa de nos dá, nós damos em dobro. E agradeço imensamente a Deus por ter ele conosco. Ele compõe duas faces diferentes em uma mesma pessoa: nos estressa a nível máximo e imediatamente nos soca seu sorriso, derrentendo-nos à alma.


Ao olhar para ele, eu vejo um anjo em minha frente e é como se nenhum mal viesse nos perseguir, porque sinto que ele está ali nos protegendo.

Esse é meu autista, autista da minha mãe, autista da minha avó, da minha irmã, do meu avô, da minha tia, das minhas primas. Esse é o nosso autista, fazendo de nossos dias uma graça atrás da outra. Fazendo de nossas noites mal dormidas uma tarefa digna de ser cumprida. 

Relato isto, porque muitas famílias passam pela mesma situação. Faço este relato pedindo para que não arranquemos nossos cabelos, mas ao contrário disso, mantenhamos a calma, respeitemos a diferença, tenhamos amor, busquemos informações sobre o que é o autismo. Adaptemo-nos a sua rotina, pois ele não se adaptará a nossa.

Amemos essas pessoas que são maravilhosas. E sei que cada uma delas possuem algo em especial que nos dão encantamentos e admirações.

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Mariane Rodrigues ESCRITO POR Mariane Rodrigues Escritora
Maceió - AL

Membro desde Julho de 2010

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