Tema Acessibilidade

O SONHO DA CONVERSÃO (Parte 2)*

O empréstimo

 

“Amigos, amigos... negócios à parte.”

Ditado Popular

 

Com o sucesso do investimento, João Pedro e Manoel resolveram colocar em prática um antigo sonho: comprar dois caminhões; um deles se dedicaria ao deslocamento de passageiros para as feiras nas cidades vizinhas e o outro ao transporte de animais para os currais de gado da região.

E assim fizeram: venderam quase tudo o que possuíam e uma parte do rebanho de seus pais. Mas isso não era suficiente, pois precisavam pagar algumas dívidas cujo prazo já estava vencendo-se.

Recorreram, então, à generosidade do cunhado Jó, com quem pegaram emprestada, após intensas negociações, uma quantia em dinheiro com juros de apenas 7% ao mês.

            - Só vou ajudar vocês porque são da família, viu! – alertou Jó. Esse é um tipo de negócio que a gente só faz com quem é de casa...

            - Mas você pode ficar tranquilo que “a Deus querer” vai dar tudo certo. – garantiu João Pedro. – Todo mês pagaremos os juros e com um ano quitaremos a dívida.

- “Uma mão lava a outra”, Jó. – ironizou Manoel. - Agora somos nós que estamos precisando; mais tarde pode ser você...

- Está me agourando, Manezinho? – perguntou Jó sorrindo.

- Longe disso, cunhado. Até porque, como você mesmo disse, somos família... – zombou Manoel insatisfeito com os juros cobrados.

- É. Você está certo. – concordou Jó. - Afinal, amigo é para isso mesmo, não é! – concluiu sorrindo.

Na volta para casa, João Pedro e Manoel discutiam a atitude do cunhado:

- Acho que não deveríamos ter aceitado o empréstimo com esse juro, Joãozinho.

- Concordo com você que ele se aproveitou da situação. Mas é como se diz: “amigos, amigos... negócios à parte”.

- Dez por cento, João Pedro! Ele queria 10% de juros por mês... Por mim a gente não teria fechado pelos 7%.

- Mas pense no lado bom de tudo isso, Manoel: juntando o empréstimo dele com o faturamento das vendas, conseguiremos pagar as dívidas mais antigas e ao mesmo tempo tocar o novo negócio. Vamos tirar o prejuízo em pouco tempo, meu irmão!

 

 

Os boatos

 

“Pode contar seus segredos ao vento, mas depois, não vá culpá-lo por contar tudo às árvores.”

Kahlil Gibran

 

Logo espalhou-se na região a notícia acerca do novo empreendimento dos irmãos Ferreira e ninguém mais comentava outra coisa que não fosse o sucesso deles: “Agora acabam de enriquecer!” – comentavam alguns. “Só ganha dinheiro quem já tem dinheiro mesmo, viu” – lamentavam outros.

 

 

 Mau pressentimento

 

"Confie nos seus pressentimentos. Eles normalmente são baseados em fatos arquivados abaixo do nível da consciência."

Joyce Brothers

 

Na véspera do pagamento, João Pedro e Manoel foram com suas esposas Angélica e Cecília jantar na casa de seus pais, Joaquim e Leonarda.

- Amanhã colocaremos a mão na bolada – disse João Pedro sentado à mesa.

- Será que o homem vai pagar tudo de uma vez mesmo, sem dar trabalho, meu filho? – perguntou dona Leonarda.

- Seu Raimundo é de confiança, mamãe. – garantiu Manoel. - Não é de hoje que negociamos com ele...

- Meus filhos, não seria melhor marcar com esse homem para pagar a vocês aqui em casa? Pegar esse dinheiro todo num curral de gado em dia de feira... – sugeriu seu Joaquim, demonstrando preocupação.

- Isso sem falar que eles também vão pegar o empréstimo de Jó amanhã, na feira... – comentou Cecília, esposa de Manoel.

- Mas meus filhos!... – reclamou seu Joaquim. – Num dia de feira vocês vão andar pelas estradas com meio mundo de dinheiro no bolso...

- Ninguém sabe que vamos receber esse dinheiro amanhã, não, papai! – justificou João Pedro. – E também nós andamos prevenidos: qualquer movimento... – completou.

- Já fazem umas duas noites que sonho tanta coisa ruim!... – confessou dona Leonarda.

- E os galos que de uma semana para cá cantam num desadoro!... – observou Cecília.

- Isso é besteira! – disse João Pedro. - Se a gente for ligar para sonhos ruins e agouro de galo não vai fazer mais nada na vida.

- É, meu filho, mas às vezes é um aviso – alertou dona Leonarda.

- Não! Vamos mudar de assunto mesmo que essa conversa já está me deixando assustada – interferiu Angélica, esposa de João Pedro.

- A bênção mamãe! A bênção papai!

- Deus abençoe vocês, meus filhos!

- Meu padrinho padre Cícero que acompanhe e proteja vocês amanhã! Que Nossa Senhora do Desterro afaste todo mal do caminho! – abençoou dona Leonarda.

- Amém, mamãe! Amém!

 

 

 Intuição

 

“Há muitas razões para duvidar e uma só para crer.”

Carlos Drummond de Andrade

 

Enquanto viajavam para a cidade, Manoel, percebendo João Pedro meio abatido, resolveu quebrar o clima:

- O que foi homem? Conseguiu dormir direito não, pensando na grana?

- Parece besteira, viu, mas aquela conversa de ontem à noite me deixou meio apreensivo.

- E tu vai ligar pra isso agora, é? Se tivéssemos nos preocupado com os agouros do povo não teríamos chegado aonde chegamos, meu irmão! Ou você não lembra o que nos diziam quando fomos comprar os bens do Severino?

- É. Você tem razão. Mas é que...

 

 

 A discussão

 

“Mato tem olhos, parede tem ouvidos.”

Ditado Popular

 

Mesmo sem darem muita importância para a conversa da noite anterior, os irmãos Ferreira resolveram ser bastante cautelosos e fazer tudo diferente de como sempre faziam em dias de feira.

Mas quanto mais buscavam ser discretos, parece que mais chamavam a atenção das pessoas.

- Opa! Bom dia! – chegou saudando Severino Oliveira, o homem de quem há alguns meses tinham comprado os bens.

- Bom dia, Severino! – respondeu Manoel. - Você por aqui?

- Pois é, meninos... Vim resolver umas pendências...

- E vocês? Soube que se deram bem no negócio...

- Graças a Deus!... – respondeu João Pedro.

- Eu é que não tive a mesma sorte... – lamentou Severino, meio que tristonho.

– Negócio é assim, Severino: ora a gente ganha, ora a gente perde...

Os irmãos Ferreira tiveram que interromper a conversa com Severino Oliveira para atender a um chamado de Jó que os aguardava no bar do Zé da Pinga.

- Vocês ficam de bobeira num dia como hoje, rapaz! – repreendeu-os ao chegarem.

- O que nós fazemos ou deixamos de fazer não é problema seu! – respondeu Manoel, bastante irritado.

- Ah! E é assim é?... – questionou Jó. – Quer dizer que eu estendo a mão para vocês e é isso que recebo em troca?!

- Estende a mão? – questionou Manoel com um sorriso irônico – Você quer tirar a nossa cueca pelo pescoço, isso sim... Ou você pensa que eu não sei...

- Parem com isso! – interrompeu João Pedro. – Coisa feia, rapazes! Olhem o tanto de gente observando! Vocês querem chamar a atenção, é isso? Vamos ao que realmente interessa: o nosso negócio ainda está de pé, Jó?

- Por você, Joãozinho! Por você!... Esse irmão seu é um moleque metido; muito pra frente! Só porque está cheio da grana acha que pode pisar em todo mundo... Se não fosse por você o negócio estaria desfeito! Cabra mais desaforado! – esbravejava Jó enquanto as pessoas ao redor observavam atentamente.

 

____________________

*Capítulos 5 a 9 do livro O SONHO DA CONVERSÃO, romance escrito por Valci Melo e cuja publicação dar-se-á aqui e no blog http://valcimelo.blogspot.com.br ao longo dos próximos dias.

Attachment Image
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original. Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.
0
2 mil visualizações •
Denuncie conteúdo abusivo
Valci Melo ESCRITO POR Valci Melo Escritor
Senador Rui Palmeira - AL

Membro desde Junho de 2013

Comentários