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O SONHO DA CONVERSÃO (Parte 3)*

O retorno

 

“Quando Deus dá a farinha o diabo fura o saco”

Ditado Popular

 

Ao regressarem para casa, João Pedro e Manoel resolveram se precaver dos agouros e irem por uma estrada diferente das duas que costumavam revezar em dias de feira. Era mais seguro, pois todo mundo sabia que eles sempre viajavam por alguma das outras, mas quase nunca pelo atalho que passava na Serra do Bengo.

No caminho, procuraram não falar sobre a discussão que tiveram com Jó, mas não conseguiram fazer a mesma coisa com relação às demais pessoas com as quais cruzaram na feira:

- Seu Raimundo hoje estava tão estranho, Joãozinho... Parece até que se arrependeu do negócio!

- É. Também achei. E aquela conversa dele aconselhando a gente a vir por uma estrada diferente da convencional também não me pareceu nada agradável.

- E o Severino? Aquele papo dele me pareceu estar querendo mais dinheiro, viu. Oh povo, meu Deus! Queria ver se a gente tivesse se dado mal – que Deus nos livre! - se ele iria aparecer oferecendo algum desconto...

- Mas é assim mesmo, homem. Hoje em dia é cada um por si...

Enquanto conversavam, os irmãos Ferreira foram surpreendidos por três homens armados que já saíram da moita anunciando assalto:

- O dinheiro do gado: passa! É um assalto! O dinheiro do gado!

Assustado, João Pedro tentou sacar o revólver e levou um tiro de espingarda no peito esquerdo. Em meio ao tiroteio, também Manoel e seu cavalo acabaram atingidos mortalmente.

Mesmo sem conhecer bem a estrada, o cavalo de João Pedro disparou vereda adentro e num único galope conseguiu chegar até em casa. Enquanto isso, os bandidos fugiram pela mata verdejante levando todo o dinheiro dos defuntos.

Ao ver o cavalo do esposo chegar sozinho e ensanguentado, Angélica ficou desesperada e correu até a casa de Cecília, que ficava a uns três quilômetros. Ao chegar, ofegante, foi logo perguntado:

- Manoel já chegou?

- Não. Por quê?

- Mulher, o cavalo de João Pedro chegou sozinho e sujo de sangue. Estou desesperada!

- Vala-me Deus! O que será que deve ter acontecido com eles? Ah meu Jesus! Os sonhos... Os galos...

Juntas foram às pressas até a casa dos pais de seus esposos que ficava a uns 45 minutos de cavalgada. Ao avistá-las, dona Leonarda que já estava “num pé e noutro” dentro de casa saiu ao encontro delas e foi logo perguntando:

- O que aconteceu? Foram os meninos, não foi?

Desesperada, Angélica comentou sobre o cavalo enquanto Cecília chorava inconsolavelmente.

Enquanto se preparavam para saírem à procura dos rapazes, a família Ferreira recebeu a triste notícia do latrocínio por feirantes que passaram no local e reconheceram os cadáveres.

 

 

 A má notícia

 

“Notícia ruim anda rápido.”

Ditado popular

 

A informação da tragédia logo se espalhou e gerou grande movimentação na localidade. Junto com ela também começaram as especulações acerca de quem seriam os supostos responsáveis pelo crime: “Eram duas pessoas tão boas! Quem teve coragem de fazer isso com eles?” – perguntavam alguns. “Deve ser alguém que sabia que iriam receber esse dinheiro hoje e colocou uma tocaia” – diziam outros.

 

 

Suspeitas

 

“Quem desconfia de tudo advinha metade.”

Ditado popular

 

O velório reuniu gente de muitas localidades: amigos, vizinhos, conhecidos, clientes, familiares; todos vieram prestar as últimas homenagens aos irmãos Ferreira. Durante a sentinela, só um sentimento disputava lugar com a imensa tristeza: a vontade de saber quem tinha sido capaz de cometer tamanha atrocidade.

- O assassino dos rapazes está aqui. – comentou Firmino, um velho amigo da família, numa roda de conhecidos. - A prova é que os defuntos não param de sangrar – concluiu.

- Deus me perdoe se estiver levantando falso, mas para mim, isso tem o dedo do Severino ou do homem de quem receberam o dinheiro. – acusou Adelson, um vizinho das vítimas.

- Também fiquei sabendo que tiveram um “arranca rabo” danado com o tal cunhado rico ontem na feira. Muita gente viu... – comentou Aristeu, outro vizinho.

- Homem! – reclamou Juvenal, conhecido dos rapazes – Sem provas não dá para ficar acusando ninguém. Isso é muito arriscado.

- Mas quem mais sabia que iriam receber esse dinheiro ontem, Juvenal, se não fosse o homem de quem receberam a grana e a família? – argumentou Adelson. - Eu mesmo sou vizinho dos dois e não sabia! E o Severino levou um prejuízo muito grande naquele negócio que fez com eles... Não é todo mundo que tem bom senso para lidar com uma situação dessas não, meu camarada! Ou você acha que alguém da família iria estar por detrás de um negócio desses? O Severino estava desaparecido e surgiu exatamente de ontem para cá... Aquilo não é flor que se cheire...

- Aqui para nós - porque ninguém tem provas e também não quero me meter em confusão – compartilhou Virgílio, compadre de um dos falecidos: soube que o Severino chegou a conversar com os meninos no curral. Não sei sobre o quê, mas acho que ele queria algum trocado para compensar o prejuízo. E se eles não deram nada, está explicado o acontecido.

Conversa vai, suspeita vem e a única certeza que todos tinham era que duas vidas tinham sido covarde e brutalmente interrompidas.

 

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* Capítulos 10 a 12 do livro O SONHO DA CONVERSÃO, romance escrito por Valci Melo cuja publicação dar-se-á aqui e no blog http://valcimelo.blogspot.com.br ao longo dos próximos dias.

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