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Esta estranha dualidade...

 

"E só quando estamos em nós

estamos em paz

mesmo que estejamos a sós."

 

Paulo Leminski - Contranarciso 

 

 

 

 

Noite alta, lua cheia, sob a onírica e desértica geografia vinha o caminhante.

Andava ha menos de 40 dias e trazia em sua bolsa pão cevado e um cantil.

Surpreendido ao avistar um estranho ser que aparece no descer do morro, não pressente perigo e continuou avançar.

Ao chegar perto o ser avisa ao andarilho que só poderia continuar em sua viagem após responder-lhe três perguntas.

Não havia encontrado o Diabo, mas um desafiante tão perspicaz quanto.

 

Concorda com a proposta e a criatura o questiona:

-Quem és? De onde vens? Pra onde vais?

- Porque não perguntas como estou? Por onde e pelo que passei até chegar aqui? – retruca-

 

Não é relevante, sei que fosses capaz de chegar até aqui independente das circunstâncias. E o mais importante, se sabes quem és, sempre estarás bem.

 

Sobressaiu-lhe um sorriso desconfortável e tímido por sentir-se obrigado a concordar. Ainda assim, não queria deixar barato o bom embate sem a devida resposta.

 

Pediu um tempo pra pensar...e respondeu.

 

- Venho de muitos lugares desde que sai do ventre da minha mãe.  Ao me dar à luz, gritei de dor ao abrir os pulmões e desde então não sei mais o que é conforto. Vim de um útero e busco outros que o simbolizem e me comportem por um tempo. Serei uma nova criança a cada nova experiência, amadurecerei nela e me prepararei novamente para tornar-me infante em outro conjunto de circunstancias.  Vim da escuridão para iluminar-me. Sou o que descobri. Sou o conjunto de tudo que não mais sou, o que deixei de ser. Eu Sou o durante que estou sendo, combinando constantemente esta estranha dualidade. - Respondeu surpreso, pois não sabia que pensava assim.

 

O Ser, gostando do que ouviu, fala:

 

- Tens salvo conduto. Quanto mais próximo da luz estiveres, mais densa será a sombra projetada por tí. Não tema conhecer sua pior parte. Controle-a, essa é a sua missão. A flecha precisa do alvo para existir. Contrários e complementares assim o são.O caminhante partiu sem mais desconfiar da sombra que sempre o acompanhara.

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Ernani Viana Neto ESCRITO POR Ernani Viana Neto Escritor
Caxias do Sul - RS

Membro desde Janeiro de 2014

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