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A ÁRVORE DE NATAL

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          Lúcia sentou-se ao lado da filha, e por longos cinco minutos tentou reencontrar o brilho mágico de sua árvore de Natal, que agora lhe parecia tão muda quanto às paredes de sua sala de estar. O velho entusiasmo natalino desgastava-se anos após anos, e a medida que o tempo passava ela ia enterrando dentro do baú de sua infância as bolas coloridas, as estrelas, os anjos de porcelana e as bonecas de tranças ruivas que ganhava naquela época.

         Clara tocou de leve o braço da mãe e disse apontando para o alto da árvore:_Mãe, sabe por que aquela estrela do alto brilha mais do que as outras?

         _Não, respondeu Lúcia, encolhendo os ombros e olhando com desdém para a estrela.

         _É porque foi ela que guiou os Reis Magos até Jesus, retrucou a menina com a voz mansinha.

        A mulher sentiu um nó na garganta, queria confidenciar-lhe que não há estrela...que nunca houve... Depois olhou profundamente para sua filha, os olhinhos dela pareciam aprisionados pelo brilho sintético e imponente da estrela prateada. Sentiu certa inveja dela e ao mesmo tempo alegria, ela sabia que o Natal é por excelência uma festa infantil, uma festa de pureza e de verdades, onde anjos e crianças se encontram.

        Através da janela Lúcia percebia que as casas do outro lado da rua estavam cheias de luz, e em uma varanda vazia um Papai Noel pequenino escalava uma parede branca; mas aquela cena não lhe dizia mais coisa alguma, a não ser que alguém desperdiçou dinheiro com um boneco gordo, mais nada.

       _Não consigo mais ver e nem ouvir o que o Natal diz. A velhice da alma é como a velhice do corpo, pouco a pouco vai se perdendo todos os sentidos, murmurou.

        Alguns anos antes a ceia de Natal tinha um perfume e um gosto diferente. Gosto e perfume que só emanavam durante a noite brilhante em que os anjos pareciam descer a Terra. O que teria acontecido com ela? Não era tão velha assim, embora os seus trinta e cinco anos naquele momento lhe pesassem como cem. Olhou novamente para a filha, que cuidadosamente arrumava os presentes sob a guarda da árvore colorida. Havia completado sete anos, estava crescendo rápido e sentia saudades de quando ela ainda era um bebê, de quando tinha um ano, dois, três...cinco... Onde estavam aquelas Claras que partiam a cada novo ano? Deixando outras cada vez maiores em seu lugar? Onde estavam todos afinal? Onde estava seu marido, sua mãe, seu pai?

       Lúcia caminhou até a estante, segurou o porta retrato com a fotografia do marido, beijou os olhos azuis que ela tanto amou, encostou o retrato no peito, e disse com voz melancólica_Gostaria que estivesse aqui meu amor, para ver como nossa filhinha cresceu, para ver nossa árvore de natal...

       Estranho pensar que tudo o que fazemos, é feito de certa forma para ser apreciado pelos outros, nossos olhos não nos bastam, precisamos ver com os olhos dos outros, por mais irônico que isso pareça. Qual a grandeza e beleza de uma árvore natalina se não prender o olhar de outrem?

       _Mãe a senhora acha que papai pode nos ver lá do céu? Indagou Clara interrompendo aquele minuto de ternura com ar de inquietação.

       _Eu não sei filha, acho que os olhos no céu são para ver a beleza do céu, e os olhos que temos aqui são para ver a beleza da Terra.

       Clara colocou  a mão no queixo, e com um jeito pensativo caminhou ao redor da árvore de Natal, depois sumiu em direção ao corredor.

       Quando se está triste até as horas caminham mais lentamente, como se a luta entre o Sol e a Lua fosse uma reprise em camêra lenta, pensava Lúcia, enquanto ensaiva um sorriso amarelo em frente ao espelho. Finalmente a reprise chegou ao fim, e agora ela apressava-se em calçar a sandália dourada para receber os famiiares que costumeiramente se reuniam em sua casa na noite natalina.

      Ao retornar para sala encontrou a filha ajoelhada, estava fazendo sua oração de Natal, então, desejando não interromper a cena sublime, ficou imóvel como uma estátua, e atenta e enternecida ouvia a prece da filhinha.

     _Jesus, hoje é um dia especial, é a noite de Natal. Sei que papai está perto de você, sei que ele não tem mais os olhos da Terra, mas nossa árvore está tão linda! Eu gostaria muito que ele pudesse vê-la...Então deixa-o ver Senhor, só por alguns minutinhos..., e, por favor, não se preocupe quanto aos olhos, eu empresto os meus para ele, amém! Então a menina ergueu os olhos e sorriu, um sorriso lindo que só a inocência é capaz de ofertar. Sua face possuía um brilho intenso e seu olhar castanho tornou-se azulado como o céu das manhãs de Março. A oração pueril comoveu Lúcia, duas lágrimas rolaram em seu rosto, parecia chuva de verão refrescando a terra árida; então subitamente, a nebulosa que ela sempre enxergava no topo da árvore converteu-se novamente em estrela guia, e ela podia ouvir os sinos festivos soando ao longe. Olhou mais uma vez para a casa em frente, e teve a tênue impressão que o Papai Noel finalmente alcançara a varanda.

     

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Cleide Vanderley ESCRITO POR Cleide Vanderley Escritora
Maceió - AL

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