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CAPÍTULO 2: O Pingente

Eu contei a vocês a minha historia, mas esqueci de dizer quem eu sou. Meu nome é Theodore Donati, ou Theo como me chamam meus amigos e minha família. Tenho 21 anos e estudo letras em uma faculdade de renome. Eu sei, letras. Provavelmente vou morrer de fome, ou acabar trabalhando em alguma editora. Não é algo que me incomode. Pra ser sincero não sou dos mais estudiosos, então se for pra estudar algo, que seja algo que eu pelo menos consiga tolerar. Desde os meus 5 anos eu leio. Tenho aproximadamente 250 livros no meu quarto. Nenhumas das informações de agora são relevantes, mas achei que vocês deveriam saber quem vos escreve. Voltemos aonde paramos.

Não demorou para chegarmos na cafeteria da faculdade. Não estava muito cheia, o que era bom, pois podíamos conversar sem que fossemos notados. Eu estava ansioso para ouvir o que ela iria me contar. Sentia uma vontade enorme de conhecer cada pequeno detalhe da vida dela. Peguei duas xicaras de café e sentamos em uma cadeira mais perto do canto da sala, um pouco isolados do resto. Tomei um gole do meu café e pensei como iria começar a descobri-la. Meus amigos, se eu pudesse te dar um conselho sobre encontros, este seria um. Nunca comece perguntando como ela está se sentindo, esse é o maior erro que você pode cometer, 90% irão mentir dizendo que estão bem, o que não é verdade. Comece perguntando qual a sua história, mostre interesse em ver de onde ela veio, o que ela gosta, quais as coisas que a fazem sorrir. Posso não entender muito de relacionamentos e encontros, mas entendo de pessoas e suas emoções. Vai me dizer que você não gostaria de ter alguém para contar tudo sobre você? Alguém que você possa falar as coisas mais inúteis, mas que vai dar a atenção que você quer. Partindo desse principio, baixei o copo na mesa, olhei-a nos olhos e perguntei:

-Qual a sua história?

Ela me olhava ainda, meio que tentando entender qual seria a minha. Demorou alguns segundos, bebeu um pouco do seu café e respondeu:

-Eu não te entendo.

Fiquei surpreso com a resposta. Ela não me entendia? Mas nem nos conhecíamos ainda, então era meio óbvio o que ela disse.

-Não me entende?

-Estudo aqui há mais de um ano e foi necessário que eu derrubasse uma tonelada de papel e livros em cima de você, para que você me notasse.

Eu não esperava aquilo. Ela já havia me notado anteriormente em outras oportunidades. Em que mundo eu vivi durante todo esse tempo? Não me levem a mal, eu não sou dos mais sociáveis, na verdade, o convívio social para mim não passa de uma obrigação. Por isso, na faculdade quando não estava ocupado demais prestando atenção em alguma bobagem do celular, estava fumando um cigarro e lendo algum livro. Eu não gostava de perder tempo tentando entender o que se passava na cabeça da metade daquelas pessoas que estudavam ali. Na verdade não sentiria falta de nenhuma delas. Ok, da grande maioria delas. Apesar de tudo isso eu tinha um defeito. Eu observava demais. Não deixava que nenhum detalhe relevante de qualquer coisa, ou pessoa, me escapasse. Era capaz de notar a menor mudança no ambiente e nas pessoas que nele se encontravam. Tinha gravado o rosto e os nomes de cada um que ali já passaram. Mas não a notei. E não conseguia entender o porquê disso. Respondi a ela:

-Eu não tenho resposta para isso.

Era só o que conseguia dizer a ela. Covarde demais.

-Por que agora? Depois de todo esse tempo.

Era uma boa pergunta. E Merecia uma boa resposta.

-Eu sei que talvez tenha demorado um bom tempo para te notar, mas eu tô tentando deixar algumas coisas para trás e, bem, eu não sei, talvez você seja uma oportunidade para que eu possa começar da maneira certa. Então, me desculpa pela demora, mas se você puder me dar à chance de saber seu nome e sua história, posso compensar meu erro.

Ela me olhava com suspeita, com receio, e eu não tinha ideia do que se passava na sua cabeça. Passado um minuto ela falou:

-Valentina Neves.

Valentina Neves. Era bonito. Combinava com a beleza dela. Claro que combinava.

-Prazer, Theodore, ou Theo como chamam meus amigos.

-Bom, você quer saber a minha história então?

Agora sim. Agora podíamos realmente começar a história.

-Eu adoraria saber quem realmente é a Valentina, e o porquê desse nome, se possível também, é claro.

Ela sorriu. E ai ela me ganhou. Fácil. Fácil demais. Nesse momento eu decidi que queria ter aquele sorriso todo para mim, queria ser a razão pela qual aquela boca sorria. O jeito dela, a maneira como sentava, se vestia, a sua postura, o jeito como o cabelo dela balançava quando ventava. Tudo. Tudo aquilo em perfeita sincronia. Ela tornou a falar:

-Bem, eu estudo cinema e tenho 20 anos. O cinema é a minha paixão desde que entrei em um quando tinha 7 anos. Lembro-me da magia que senti ao ver aquelas imagens em sequencia naquela tela gigante, desde então resolvi que iria viver disso. Moro a algumas quadras daqui com meus pais e tenho uma irmã mais velha que já não mora mais conosco. Em resumo é isso. Com relação ao meu nome ou algo mais que você queira saber, vai ter que perguntar especificamente, então, vamos fazer assim, vou te dar 3 perguntas e você vai ter que escolhe-las bem, fechado?

Cinema? Desgraçada. Além de linda era inteligente, provavelmente muito mais do que eu era. Não sabia o que deveria perguntar a ela, tantas opções, tanta coisa que queria saber. Mas tinha que escolher as minhas perguntas com perfeição, precisava ganhar as informações que me garantiriam vê-la novamente. Eu precisava disso. Resolvi começar pelo nome.

-Valentina, como veio esse nome?

Ela me olhava com malicia, sabia que iria perguntar aquilo. Era quase como se ela soubesse as direções que eu iria tomar.

-Minha mãe sempre foi muito ligada à simbologia e coisa do tipo. O nome Valentina representa uma garota que detém forca e é valente. Assim como eu sou. Então, nada de piadas como meu nome, Sr. THEODORE.

Eu ri. Era a primeira vez que via alguém fazer piada com meu nome. Até na hora de fazer uma piada ela era sutil. Tava ficando cada vez mais fácil se afeiçoar a ela.

-Nossa, falando assim até parece que meu nome é feio. Quem me chama de Theodore? Nem minha mãe me chama assim pô. Me chame de Theo por favor. Ou vou ser obrigado a gritar seu nome para metade da cafeteria ouvir.

- Sabia que não é de bom gosto zoar o nome da garota no primeiro encontro? Não é justo. Vou ter que te zoar mais um pouco pra equilibrar as coisas THEO.

Eu ria de novo. Como era bom estar com ela. Há semanas que eu não conseguia me sentir divertido como tava agora. Cara, essa garota tá acabando com meu sistema de uma vez.

-Mas isso aqui não é um encontro. Pelo menos não de forma oficial.

Ela ergueu uma sobrancelha e me encarou:

-Ah, não é?

-Claro que não, se te levasse pra sair, não seria pra cafeteria da faculdade. Seria algo muito mais grandioso. Seria ‘lendário’.

Ela deu uma gargalhada alta. E eu ri junto com ela. Ao passo que ela retrucou:

-Cê ta vendo seriado demais garoto. A propósito, onde você me levaria?

-Pensei que era eu quem tinha que perguntar aqui, ou tô enganado? Deixa eu perguntar pro atendente ali se me enganei.

Ela me olhou encolhendo os olhos e me deu um dedo, ainda mandou eu me foder. Sinto cheiro de amor no ar. Ok, acho que fui um pouco longe nessa última. Depois ela sorriu e disse:

-Ok então, você tem mais duas perguntas, use-as com sabedoria.

Pensei bastante no que ia perguntar a ela. Não me vinha nada em mente, pelo menos nada que fosse relevante ou interessante de se perguntar. Até que notei algo reluzindo no pescoço dela. Um pingente. Uma flecha. Era tudo que eu precisava.

-O que é essa flecha pendurada no seu pescoço?

Ela olhou pra baixo e pegou o pingente com delicadeza entre os dedos. Ela tinha as mãos lindas. Encarou-me fundo. Tinha acertado a pergunta. Era aquilo que eu precisava saber agora.

-Como te disse minha mãe é uma pessoa ligada à simbologia. Quando eu tinha 10 anos fomos pra casa de campo que a gente tinha no interior e comecei a praticar tiro com arco e flecha. Me identifiquei muito, tive muita facilidade pra aprender. Tinha muito talento também. Uma vez, antes de dormir, ela me explicou o significado da flecha. Foi instantâneo. Desde o dia em que ganhei esse pingente o uso. É tudo pra mim. De verdade.

Agora eu a encarava. O meu desejo por ela começou a caminhar para uma admiração. Aquela resposta foi como um choque. Diante daquilo eu falei:

-Se a vida está te arrastando pra trás com dificuldades, isso quer dizer que ela nos lançará em algo grandioso. Assim como a flecha. Então, continue mirando.

-Você sabia o significado?

Não respondi. Enfiei a mão dentro da minha camiseta e levantei meu colar. Pendurado, um pingente de flecha. Exatamente como o que ela usava. Ela se surpreendeu tanto quanto eu.

-Você tem que admitir que é, no mínimo, curioso.

Eu sorria em direção a ela. Ela sorriu de volta e respondeu:

-Uma boa surpresa realmente, mas agora só te resta uma última pergunta espertalhão, então agora é a hora da verdade. Qual sua última pergunta?

Olhei-a com malicia. Percorria ela de cima abaixo com meus olhos. Ela era diferente. Eu queria conhecer o quão diferente ela era dos outros, ela me instigava quase como gasolina inflama o fogo. Não precisei de muito tempo para essa última pergunta:

-Não preciso te perguntar mais nada, a única coisa que me interessa saber de você é que horas eu te pego hoje à noite.

-Me surpreenda.

Ela levantou, pegou sua bolsa e saiu. Que bunda que ela tinha. Vocês vão me desculpar, mas eu tive que olhar, tive que admirar aquela visão. Ao chegar na saída se virou e olhou pra mim. Quase a dez metros de mim. Mas aqueles olhos não conheciam a distancia. Não havia muita coisa a se fazer. A flecha havia sido recuada para se lançar ao desconhecido, eu também. Agora só me restava uma única coisa. Mirar.

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Joao Padilha ESCRITO POR Joao Padilha Escritor
Maceió - AL

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