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Me, Comigo!

ME, COMIGO!

“A astúcia de Baco me seduz

Num frenesi embriagatório

E eu me rendo

Ao sabor do vinho

Implacável é a consciência

Da noite com o seu silêncio voraz

“Back to black”

A canção angustiada da Amy

Devora a minha solidão

Aos goles e mais goles

O vinho gelado

Desce vertiginosamente

Goela abaixo

Ao som do pen-drive

Vindo da pequena caixa de som”

(Solidão sedada – Geo Santos)

 

Moro no oitavo andar de um prédio num bairro residencial e, às vezes, na varanda, fecho os olhos e me vejo pairando sobre os telhados da cidade. Cidade esta que me enclausura em mim mesmo. E fico assim em minha solidão.

Aos vizinhos há apenas alguns boa noite e boa tarde num simulacro de boa vizinhança e educação. Nada além disso. Não que eu seja o tipo do cara chato, metido ou esnobe, não, apenas tomei para mim uma introspecção e carrego-a comigo. O terapeuta até já tinha me pedido para ser mais expansivo, menos burocrático, mais dado às emoções e ao que os relacionamentos têm de melhor: os abraços e os sorrisos. Estou tentando – é o que tenho a dizer.

Antenas parabólicas e Arranha-céus misturavam-se com o horizonte plúmbeo no início da noite dificultando a definição do começo e fim da cada um.

Voltei-me para dentro e observei a sala em silêncio. Vi as paredes nuas e pensei em comprar um ou dois quadros. Quem sabe a colorida plasticidade de um Romero Britto ou a escuridão poética de um Chen Bo. Não! Realidade. Realidade. Qualquer dia entro em um shopping e compro uma tela daqueles artistas que pintam e parece que os quadros são produzidos em série porque todos tem o mesmo motivo abstrato aprendido em revistas que ensinam a pintar.

Lembrei-me de um vinho que havia comprado dias antes através da indicação de um amigo. Na cozinha, peguei uma taça, coloquei um pouco de vinho, senti o aroma e sorvi um pouco para apreciar o sabor. Voltei à sala e deixei-a à meia luz. Enquanto no pen drive rolava a angústia de Amy, dirigi-me novamente a varanda e fiquei a observar o infinito saboreando o vinho tinto.

O horizonte, como sempre, mostrava-se taciturno.

Observando os prédios vizinhos com suas janelas abertas ou fechadas, pensei quais vidas se escondiam por trás das cortinas. Era como se estivesse a procurar algo para me distrair. O telefone vibrava insistentemente. Desliguei-o. Queria estar comigo e só.

Meus olhos foram direcionados para uma janela onde um casal, que a princípio parecia estar dançando, desenvolviam movimentos muito particulares e sedutores. Recuei um pouco e me sentei para observar sem ser visto.

O vinho, a música, o casal em movimento, a libido, o jeans sob pressão, as mãos tal veludo, deslizando sobre o peito nu como em um balé; os pelos eriçando-se ao toque da derme; as narinas abrindo-se e fechando-se em sincronia, os lábios úmidos, a boca em sons guturais e o corpo exalando um olor somente perceptível aos adoradores de Vênus. Neste momento as mãos em movimento pulsátil de vai-e-vem; os olhos focando o infinito na tentativa de domar o tempo e perpetuar aquele instante; o torso contorcendo-se em movimentos sinuosos para acomodar-se a velocidade da respiração e mãos - frenéticas, em movimentos rápidos, traçando um diálogo entre os olhos, a boca e o casal, faziam a adrenalina insuflar minhas veias, faziam as pernas contorcerem-se, e o corpo... e o movimento das mãos em sim e em não e ao fim daquele balé solitário, a emoção... em jatos.

 

 

Autor: André Maurício Pereira

Ano: 2015

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andre mauricio pereira ESCRITO POR andre mauricio pereira Escritor
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