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A LIÇÃO DAS ONZE-HORAS - Tchello d’Barros

A LIÇÃO DAS ONZE-HORAS
Tchello d’Barros


Assim como acontece em nossa vida, o outono aos poucos vai ao encontro do inevitável inverno, e no lugar de flores coloridas, vemos pelos jardins as folhas das árvores que já cumpriram sua missão principal. Digo isso pois quando visitava o escritor Jairo Martins nas luminosas manhãs do início do outono, sempre me deparava com um espetáculo tão inebriante quanto sutil. Ocorre que o jardim da casa é a morada de centenas daquela flor popularmente chamada de Onze-horas. A flor é pequena, singela mesmo, mas ainda assim, como algumas pessoas, sabe ser sublime.

Se chegasse muito cedo à casa do poeta, valia pelo café forte e fumegante, mas as flores ainda não estavam abertas, e o poeta ainda estava meio sonolento. Se chegasse aí pelas nove horas, já se podia ver as pétalas se abrindo e recebendo as bençãos dos raios de sol que se derramavam em diagonal pelo ajardinado pátio, refletindo-se em miríades de gotículas do cristal do sereno. Como algumas se abriam precocemente, antes do horário que faz jus ao seu nome, eu dizia que essas florinhas eram cheias de nove-horas! Quando eram de fato onze horas no relógio da torre da catedral, lá estava estendido no jardim aquele tapete de cor rosa intenso, uma tonalidade que alguns chamam de fúcsia, outros de magenta, e uns ainda preferem nominar de pink. Não sei o quanto isso importa no momento. O que vale é registrar a beleza daquele momento, daquele horário, daquela cena, daquele quadro.

Isso é apenas uma outra forma de dizer que se eu chegasse ao meio dia, já teria perdido o silencioso espetáculo, pois essas danadinhas têm um pacto com o relógio que diz que elas devem se recolher depois de algum tempo, descansar a beleza de suas pétalas, para somente no outro dia abrirem-se novamente para espiar o que acontece no cotidiano dos humanos apressados. E quem quiser vê-las assim desabrochadas, generosas, apaixonadas, é bom que esteja na hora e no lugar certo.

Pois bem, como já estamos no quarto parágrafo, já posso contar que essa crônica na verdade não trata de flores, mas de correspondências, de relações e convergências. Talvez fale é de gente mesmo. É que desde sempre tive esse estranho hábito de relacionar tudo com pessoas, ou com nossas atitudes, com nossa personalidade ou nosso comportamento. O vento, por exemplo: algumas pessoas me lembram uma brisa suave, daquelas que acariciam o cabelo, a face e até trazem uma antiga cantiga aos ouvidos dos mais românticos. Outras pessoas me lembram um vendaval, tempestuosas como um ciclone, que vira tudo do lado avesso, inclusive o nosso coração. Buscando-se a devida relação entre as coisas e as pessoas, em realidade dá para comparar tudo com todos e sempre aprender algo disso.

Estava nesses devaneios meditativos, entre um café e outro com o colega escritor, que absorto revisava um texto, quando tentei saber porque o êxtase diante de uma flor tão singela como as fugazes Onze-horas. E creio que a relação talvez não esteja na imagem, na forma ou no tamanho. Talvez na atitude. É possível que em nossa vida, haja um momento certo para tudo. Um instante onde deve acontecer aquilo que deve acontecer e pronto, seguindo-se o fluxo natural das coisas e a ordem do mundo e da vida. Se apressarmos, chegamos cedo demais e não vemos o espetáculo. Se protelamos e adiamos, tudo foi tarde demais. Outono e inverno vão embora! Já estou com saudade das Onze-horas!

 

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