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QUATRO BORNAIS TRANSCENDENTAIS E UMA MOCHILA DEAMBULANTE - Tchello d’Barros

QUATRO BORNAIS TRANSCENDENTAIS E UMA MOCHILA DEAMBULANTE

Tchello d’Barros

 

 

 

Não. Hoje não é um dia para comentarmos sobre o sentido da vida, sobre os alumbramentos da experiência amorosa ou se a obra dos filósofos pré-socráticos influencia ainda hoje nossa vidinha cotidiana. Hoje é um bom dia pra falarmos sobre os bornais. Pois é, bornais. Talvez porque apenas goste do som da palavrinha, que conheci quando fui como voluntário servir ao Exército. Lá tivemos que aprender a Canção do Expedicionário, onde há a seguinte estrofe: “Nossa vitória final / Que é a mira do meu fuzil / A ração do meu bornal / A água do meu cantil / As asas do meu ideal / A glória do meu Brasil”. Mais tarde, recebi meu próprio bornal, e para quem não conhece, trata-se de uma simples pasta ou bolsa, que se usa com uma alça que passa pelo ombro. Dentro leva-se alimentos e outros utensílios. Atualmente o produto já foi assimilado pela indústria da moda e encontra-se no mercado em variações cheias de estilo.

 

Mas uma referência ficcional dessa peça, é o personagem Caine, do seriado Kung Fu, dos anos setenta, um andarilho que, interpretado pelo ator David Carradine, peregrinava pelo oeste estado-unidense, com seu figurino de roupas simples, um chapéu, cabelo amarrado atrás e ao lado seu bornalzinho. Assim ele seguia seu caminho, talvez nos legando uma mensagem visual de desapego, onde de pouco necessitamos para atravessar a jornada da vida. Nesse sentido, Chistopher Fry teria dito certa vez: _”Viajo leve. Só levo meu corpo por causa do valor sentimental.”

 

Essa imagem do viajante, do peregrino, do que busca conhecer o mundo, os mundos, nos lembra de outro viajor, no filme Sonhos, de Kurosawa, onde um jovem com seu bornal à tira-colo adentra o Museu Van Gogh em Amsterdã, numa espécie de estesia, resultante de um evidente encontro de tão distintas culturas, a do visitante nipônico e a do pintor europeu. Não se sabe o que há dentro do bornal do jovem, no entanto eles estão ali, dentro de uma viagem, dentro de um filme, dentro da vida, e agora até mesmo dentro de uma crônica. Creio que foi Henry Miller quem teria dito que “nosso destino nunca é um novo lugar, e sim uma nova forma de ver as coisas.” Obrigado, Henry!

 

Ah, mas passemos um pouco a personagens reais, gente viva mesmo e que a gente encontra por aí, com seu bornal, caso do poeta gaúcho Pedro Marodin, um poeta do tipo viajante e que vive espalhando sua poesia pelo país. Ele adaptou um bornal ao redor da cintura, com encaixes para diversos livros seus e assim ele dialoga, vende, recita e interage com as pessoas. Lembra um homem-bomba com seu cinturão explosivo, só que no caso dele, em vez de bombas, poemas. Lembra até aquela citação de Cervantes, onde nos avisa que “quem lê muito e anda muito, vê muito e sabe muito.”

 

Mas o bornal mais inusitado talvez seja o do multi-poli-pluri-artista Luiz Alberto Machado, escritor pernambucano – que consegue ser mais ufanista que um gaúcho! – radicado em Maceió, que escreve em diversas modalidades literárias e parece um personagem dele mesmo, uma figura que depois de um bate-papo de meia hora, parece que a gente conversou com meia dúzia de pessoas, tamanha a intensidade, quantidade e qualidade das coisas que ele diz. Sim, e ainda tem seu indefectível bornal, fiel escudeiro – por vezes ladeado de um violão – de onde vão saindo coisas e mais coisas: poemas, panfletos, livros do autor, CDs de suas composições musicais, canetas, convites dos próximos eventos, cartões, rascunhos, fotocópias, romances em meia viagem, cordéis, e por aí vai, não acaba nunca. Carteiro e poeta. Parece o Capitão Caverna também, que tirava de tudo um pouco de sua barba maluca. E assim, o LAM segue Brasil afora, levando sua literatura aos mais variados eventos, com seu inseparável bornal nacional. Talvez foi para pessoas como ele que Montaigne disse que “é preciso estar sempre pronto para partir”.

 

Mas chega de falar de marmanjos, atenção que está chegando uma dama ao recinto! Apresento-vos a romancista catarinense Urda Alice Klueger com seus coloridos vestidos africanos e sua mochila-em-anexo, formando um conjunto inesperado, que chama quase tanta atenção quanto os sempre curiosos olhinhos azuis da autora de Cruzeiros do Sul. Creio que esse visual seja meio que um vestígio de suas muitas viagens mundo afora, e a mochilinha é a companheira de todas as horas, parecendo as chollas peruanas carregando nas costas um filho enrolado em seus panos coloridos. Só que no caso da blumenauense, seus filhos são seus livros, publicações de crônicas, contos e romances, que quando menos se percebe, saem do vasto universo quântico daquela mochila e num piscar de olhos estão nas mãos do interlocutor interessado em boa literatura. Sua mochila recheada de romances históricos parece parafrasear o axioma de Descartes, onde nos ensina que “viajar é conversar com os séculos.”

 

Uma mochila ou bornal, seja chique ou informal, nos informa que a forma não é tudo, a maior beleza está no conteúdo.

 

 

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