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PACA, TATU, CUTIA NÃO! - Tchello d’Barros

PACA, TATU, CUTIA NÃO!

Tchello d’Barros

 

 

 

Talvez possamos categorizar como cultura inútil se contarmos por aqui que a brincadeira de criança “Paca, tatu, cutia não!” vem do tempo em que os portugueses chegaram por essas bandas e tiveram que se adaptar à gastromomia indígena, com suas estranhas iguarias tropicais. Reza a lenda, hoje parlenda, que pacas e tatus eram pratos muito apreciados, mas as cutias não iam à mesa por conta de uma crendice das índias, que acreditavam que se comessem a carne daquele roedor, teriam filhos mirrados e fracos. E talvez de nada adiante avisar que as linhas seguintes sejam um exercício duchampiano de juntar elementos tão diferentes entre si. Marcel Duchamp mudou a história da arte juntando numa mesma obra objetos completamente distintos entre si, como um banco e uma roda de bicicleta, ou um conjunto de cubos de açúcar em mármore numa gaiola. Aqui, a experimentação se dá no âmbito vocabular: juntar em parágrafos os bichinhos da parlenda acima mencionada com três temas onde dizem que o melhor sempre é não ter opinião.

 

Paca? Sim!

É um bichinho bonitinho pacas! Marronzinho, com pintas laterais, vive pelo continente cumprindo sua função de sair da toca apenas em noites sem lua, à cata de comida. Meu avô gaúcho, Friedrich Klein, tinha como atividade lúdica, digamos assim, a caçada, lá pelos arredores da cidade catarinense de Brunópolis, onde foi escrivão, e de vez em quando aparecia com algumas paquinhas, era aquela festa entre os amigos. E o que tem a ver esse bichinho tão simpático com um assunto espinhoso como a religião? Nada! Apenas que se você disser por aí que não é caçador de pacas ou do que quer que seja, estará tudo bem, ainda mais nesses tempos onde é moda ser ecologicamente correto, correto? Da mesma forma, se alguém disser que não é membro de nenhuma religião, denominação ou seita, também estará tudo bem. A quem irá importar se a pessoa é teísta, ateu ou panteísta? Crentes, céticos ou gente ocupada demais, poderá ser socorrida na hora definir-se, pelos sites de relacionamento, que lhes emprestam a genérica postura “tenho um lado espiritual independente das religiões”. Uns dizem que o importante sempre é “ter fé”, enquanto outros argumentam que “todos os caminhos levam à Deus”. Concluímos aqui com Saramago, que nos lembra que “na hora da morte, ninguém é ateu.”

 

Tatu? Sim!

Eis aí um bichinho realmente bacana, que também não incomoda ninguém, com sua própria armadura protetora, inveterado degustador de formigas, é assim responsável pelo equilíbrio ecológico dos locais onde vive. Dizem que o Tufão, memorável cão de caça de minha cidade de origem era um bom farejador e caçador de tatus, perdizes e afins. Provei uma vez essa carne saborosa num churras promovido por uns paranaenses na cidade catarinense de Gaspar. Mas o que tem a ver o pobre animalzinho num parágrafo que pretende tratar de um assunto democrático como a política? Nada! Nem o fato do bichinho ter sido homenageado em letra de música dos também memoráveis Mamonas Assassinas. O fato é que se alguém disser que nunca comeu tatu, ninguém vai dar a mínima, estará tudo bem. Mesma coisa se alguém disser que não participa de nenhum partido político. Ninguém vai olhar de cara feia, se a pessoa não conhecer o programa ideológico dos principais partidos políticos, quanto mais os anões, os tais partidinhos de aluguel. Aliás, ninguém vai xingar uma pessoa que não sabe o conceito que diferencia partidos de esquerda, de centro e de direita, base fundamental para a opção na hora de votar. Quem quiser conferir, que faça a pergunta ao primeiro jovem com idade legal para esse exercício de cidadania, o tal sufrágio universal do voto. Apenas pergunte, como quem não quer nada.

 

Cutia? Não!

Esse sim é um bichinho dos mais simpáticos, também chamado de cotia, é um herbívoro que tem até uma coloração muito bonita, pois seus pelos tem o efeito aguti, ou seja, cada pelo tem até três cores formando nuances de tonalidades e até mesmo um efeito dourado quando reflete os raios do sol. Na falta de alguma historinha com cutias, apenas lembro que esse era o nome de uma rede de casas lotéricas na cidade de Lages, na época em que lá prestei o serviço militar. Mas o que será que anda fazendo esse roedorzinho tímido aqui num parágrafo que trata dessa paixão nacional chamada de futebol? Nada, outra vez! Nem o fato de que meu pai, que foi jogador profissional, tenha tido carreira curta, por conta dos acidentes de trabalho. Era torcedor do time Internacional, de Porto Alegre. Era um colorado, como se diz. E crescer em casa de um fanático por futebol, nos faz desde cedo acreditar que é importante torcer para algum time, assim este cronista quase se tornou torcedor de alguma equipe em evidência na época, foi por um triz. Os antropólogos e psicólogos apontam várias razões para alguém torcer para um time de futebol, ainda mais num país como o Brasil, onde “o futebol é o ópio do povo”, no dizer do dramaturgo Nelson Rodrigues, que assim parodiava Karl Marx, que por sua vez teria dito que a religião seria o ópio do povo. Especulações à parte, a questão é quando perguntam ao sujeito para qual time ele torce. E se ele torcer o nariz e confessar que não torce para nenhum, se não “é” de nenhum time, é impressionante a cara de espanto do interlocutor. É como se o sujeito, o sem-time, dissesse alguma barbaridade, é como o Caymmi, a nos lembrar que “quem não tem samba no pé, bom sujeito não é”.

 

Então, está tudo muito bem se o cristão não tiver religião. Está tudo muito bom se o camarada não pertencer a nenhum partido político. Agora, como confiar num sujeito que simplesmente não torce para nenhum time de futebol?   

 

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