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A roda gira e o destino é atrevido!

Seria ele um cidadão “politicamente correto”, daqueles que não bebem, não fumam, não jogam e não mentem e, ainda assim, conseguira ser “filho de boa gente”.  “Não beba e nem jogue meu filho! Já vi muita gente boa dizimar família e patrimônio em virtude da bebida e desse tal jogo de baralho. Fique longe de todo o tipo de vício menino!” Viviam a lhe recomendar os pais: um casal distinto e respeitado da sociedade alagoana.

Com tais ensinamentos incutidos durante todo o período da formação de seu caráter, Bernevaldo rechaçava os que eram afeitos às farrinhas, cigarro e outros hábitos deletérios. Baralho, dominó, gamão... Nem pensar!  Levariam à perdição, na concepção dele. “Olhe só aqueles lá: não têm mais o que fazer na vida e entregam-se ao ócio, ao vício; estragam a saúde e dinheiro com cachaça”. Sempre foram as verbalizações daquele cidadão reto, fidalgo, porém, alegre, espirituoso, a ponto de sua presença sempre ser clamada no robusto círculo de amizade de que dispunha.

Todavia, a roda gira e o destino é atrevido! Ora se é! Bernevaldo, acompanhado de Clerilda, sua esposa, uma jovem senhora de sorriso aberto e de personalidade expansiva, fora a um baile comemorativo no clube social do pequeno interior onde nascera. Os casais amigos que lá se já encontravam pasmaram ao vê-lo sentar-se à mesa com uma garrafa de um desses whiskys destilados especialmente para “bebedores de carteirinha”. Como ninguém quisera bebericá-lo dado ao seu elevador teor alcoólico, a despeito das advertências de sua esposa, Bernevaldo desdenhou que aquilo fosse embebedá-lo e tomava vultosos goles. “Ah! Ninguém quer, então vou beber tchudchinho – hahahaha”. A certa altura, já não conseguia articular normalmente as palavras, falava como se estivesse com um “tijolinho na língua”. Queria dançar até frevo agarrado com a esposa, sob os protestos desta que conhecia muitos dos presentes no recinto e não gostaria de macular sua figura, sobremodo a de Bernevaldo naquela circunstância.

Quando raiou o sol, a esposa e os amigos ajudaram a encaminhar Bernevaldo ao carro, que por ela fora conduzido no regresso ao lar. Após adentrarem no jardim da casa, Clerilda pediu que o esposo aguardasse quietinho enquanto ela abrisse a porta. Clerilda escutara um barulho: “chulept, chulept, chulept”. Era a cadela Malhada num delicioso passear da língua na face do seu dono, que estava em profundo sono estirado ao largo da varanda. “Sai, sai Malhada”! Comandara encrespada a dedicada esposa Clerilda.  Trabalho árduo fora arrastá-lo a cama. Imagine-se um homem robusto como ele ser içado por uma mulher de natureza franzina!

A inusitadíssima cena passara a fazer parte do repertório de “causos” daquele reluzente casal e seria contada nas rodas de amigos sempre e quando o momento oportunizasse-os. Ocorrera que, gradativamente, Bernevaldo seguira presenteando os amigos com outras embora bem mais sutis “bicadas”, mas jamais voltara a sequer cheirar aquele maldito whisky. Alforriara-se inclusive para aprender a jogar um baralhinho com a esposa e os tantos amigos, vindo a saborear instantes de salutar descontração. Aprendera Bernevaldo, contudo, que com equilíbrio a diversão é mais bem degustada – nele, no equilíbrio, é onde está a chave da virtude!


Simone Moura e Mendes

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Simone Moura e Mendes ESCRITO POR Simone Moura e Mendes Escritora
Maceió - AL

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