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Família unida no "porre" permanece unida na vida

Um ano inteiro de preparação. Os pais de Dora sonhavam com a hora de entregar a filha mais velha ao noivo, no altar, para o recebimento das bênçãos do Senhor. Seria um faustoso evento, o mais memorável da pequenina Maceió; afinal, sua primogênita, menina destacada no Judô como atleta de elite, merecia o mais acurado esmero no dia de tão sagrada importância na sua vida. A família, de vários tios, de um lado e de outro, se envolvera intensamente nos preparativos; cada membro com seu palpite, a fim de que nenhuma filigrana escapasse ao requinte pretendido na cerimônia.


Chegara o dia de inédita alegria. À hora do ocaso a noiva desponta, pomposamente, na nave central da igreja, trajada num riquíssimo vestido de calda longa, enfeitado com pedras e renascença, a esbanjar pulcritude, a arrebatar encantamento nos convivas e suspiros de amor no elegante noivo. Aliás, tal como a “casa muito engraçada”, da fantasia de Vinícius de Morais, a igreja não tinha parede; fora ela ressuscitada do abandono dos fiéis, que passaram a frequentar a nova capela, ali próxima, através da farta criatividade dos decoradores contratados. Transformaram-na numa catedral de sonhos.

Tanto Dora quanto o noivo são jovens desportistas de muito carisma, e os pais de ambos, são pessoas de excelente conceito social. Portanto, o casamento esteve prestigiado por amigos de várias partes do interior e até de outros Estados. A despeito da pequena multidão de convidados, todo mundo ficou bem acomodado no local da recepção, que estava deslumbrantemente singular. Havia tendas iluminadas por todo o salão abastecidas com os mais variados tipos de bebidas e apetitosas iguarias; os doces, de tão bonitos, suscitava dó em quem fosse comê-los. O dancing recebera os noivos e os convivas para a celebração de pululante felicidade e a banda de música os fazia “balançarem o esqueleto” catarticamente. Naquele dia, até quem jamais fora visto com bebida alcoólica, moderou os freios e deixou o raiar o dia recebê-lo ébrio.

Na primeira oportunidade de ser debulhada a resenha da festa, contou-se que a única irmã da noiva, deixada pelo namorado em sua residência, somente no jardim da casa, percebera-se presa do lado de fora, tendo deixado o celular no porta-luvas do carro; alguém, cuja autoria não foi descoberta, deixara trancada aquela porta que sempre era mantida aberta. Devastada pela bebida, Leninha, sem qualquer hesitação, aconchegara o corpo no banco de madeira, à pérgola da piscina, sob a noite decrépita, e entregou-se aos ”braços do morféu”.

Duas horas depois, chegaram os pais, um se equilibrando no outro. Eles sequer fariam o “quatro” e estavam sem a chave, também. Trôpego, o pai resolveu pular o portão lateral para socorrer-se da secretária, de cujo quarto estava aos fundos; foi ele desconhecido pelo próprio cão, um dobermann, certamente, pelo tempero do álcool a confundir-lhe o olfato; inerme, sob o torpor impiedoso da bebida e do sono, não soube reagir ao ataque do ex-amigo – cão – à perna da calça de seu caríssimo terno italiano através da grade do canil, inclusive, causando-lhe ferimento.

O sol daquele dia foi saudado por um insólito acontecimento: a SAMU fora chamada e atendeu o pai da noiva, sob deplorável estado etílico, esvaindo-se em choro por ter sido traído pelo amigo fiel e pela destruição de seu traje de gala. A esposa, mãe da noiva, como ébria solidária, chorou o infortúnio do marido. A filha caçula, por sua vez, mal despertada do homérico “porre”, levantara-se do banco, com o corpo empenado, e, vendo o pai e a mãe chorarem, sob a assistência atônita dos paramédicos, engrossou o coro de pranto. Um deles, o mais irreverente dos socorristas presentes, não concebendo seriedade em tão inusitado episódio, os consolara da seguinte forma: não chorem! Família unida no “porre” permanece unida na vida.

Simone Moura e Mendes
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Simone Moura e Mendes ESCRITO POR Simone Moura e Mendes Escritora
Maceió - AL

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