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"Dar a cada um o que o seu,..."

“Orai e vigiai” porque tênue é a fronteira entre o bem e o mal, entre a virtude e o pecado. Muitos não resistem à “vis atractiva” da porta larga, e quando escutam os recados, mesmo tímidos e quase inaudíveis, da voz da consciência, tentam formular teorias mirabolantes para o implemento do mecanismo de autodefesa de que os fins podem  justificar os meios. Fica, ainda, mais vulnerável a resvalar no precipício da tentação quem esqueceu o adágio popular “passarinho que anda com morcego dorme de cabeça para baixo”, certamente, dito e tantas vezes repetido pelos pais e/ou avós.

Aquele que esteia sua conduta num “mínimo-ético” padece do velho e conhecido “peso na consciência” quando algum ato é praticado sem o respaldo dos preceitos imutáveis, a exemplo do “não matarás”, “não adulterarás”... Nesse caso, é salutar escolher bem com quem dividir os burburinhos mentais, a fim de que um eventual equívoco não lhe seja resignificado através de conceitos temerários do interlocutor.

Mesmo um cidadão comum, que paga seus impostos em dia, seja por dever inescusável, temor ao braço forte do poder público, ou porque concebe que o Estado os converte em benefícios para a população, é passível de sucumbir aos encantos do ganho sem causa. Nessa insídia caíra o Sr. Fulano.

Pois bem, reunido com um grupo de amigos, em prol de conversas amenas e descompromissadas, numa noite enluarada de sexta-feira, relata que o portão eletrônico de sua residência fora avariado, de modo acidental, por uma jovem que se iniciava nas aulas práticas de direção. Era uma tarde plácida de domingo, a rua larga e deserta traíra os reflexos poucos desenvolvidos dessa, então aprendiz, que, ciente de sua responsabilidade civil,
dispõe-se, prontamente, a reparar o dano perpetrado.

Ao invés de comprar um portão novo, como esperava a jovem, os serviços de um técnico habilidoso, o trouxe ao estado de novo por preço módico. Justificando-se pelo desvio de sua rotina em providenciar o reparo do portão, ao risco em que se sujeitara seu lar e pela expectativa já gerada na jovem de qual seria o tamanho de seu desembolso financeiro, Sr. Fulano cobrara um preço irreal, conquanto muito aquém do que custaria um portão novo. Para quem o conhecia mais intimamente, o fato de assumir sua conduta perante um grupo de pessoas afins, porém, com formação, crença e conceitos diversos – não raras vezes antagônicos -, era indicativo de que ele buscava um bálsamo para sua culpa. Elogiado por alguns, não se esquivara da crítica velada, embora muda, de sua mais fraterna amizade. Para ele, o silêncio e aquele olhar de decepção, produziram mais efeito em sua consciência do que mil palavras.

Após deixar o recinto, alguns debulharam suas teses em função de sustentar a naturalidade no comportamento do Sr. Fulano. Por outro lado, a pessoa que o conhecia mais de perto, desabafou seu desapontamento. Juízo de valor à parte, no dia seguinte, o Sr. Fulano, com um brilho luminoso nos olhos, contara a todos de seu artifício para o desfazimento de sua ação impulsiva, que foi a devolução da quantia a maior. Ganhara, portanto, os aplausos festivos e acalorados até mesmo de quem não o criticara. Estava em paz com a consciência – querendo ou não tinha uma. Refletiu que não existe ganho fácil sem perda fácil e sua vida seguiria mais fluida se buscasse praticar o “dar a cada um o que é seu, o viver honestamente e o não ofender ninguém”, consoante já preconizava o jurista romano Ulpiano, no ano 150.  

Por que tantos políticos, agentes públicos, comerciantes, profissionais liberais das diversas áreas, enfim, não fazem como o Sr. Fulano? Seria pela ausência de Deus no coração, pela certeza de impunidade ou mesmo por falência do super-ego?

 

Simone Moura e Mendes

BLOG: www.simonemouramendes.com

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Simone Moura e Mendes ESCRITO POR Simone Moura e Mendes Escritora
Maceió - AL

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