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Feng shui no sertão

Trata-se de uma cidadã de nobre linhagem: andar garboso, trajar aristocrático, cútis de seda, cabelos impecavelmente escovados e tratados, com hora marcada, em requintados coiffeurs – onde não dispensa a leitura de revistas da moda internacional; garimpeira das peças exclusivas das mais seletas boutiques de Maceió, de cujos proprietários costumam lhe levar as coleções recém chegadas em seu domicílio; frequentadora contumaz de clínicas de estética facial e corporal, onde se familiariza com as técnicas mais avançadas de rejuvenescimento...

 Ela trabalhou com afinco por longos anos numa Unidade Jurisdicional da Capital. Contudo, por imperativo da aposentadoria do seu chefe, viu-se fadada a mudar de rotina, vertiginosamente. Fora, então, convidada a prestar seus misteres numa unidade, localizada no alto sertão alagoano, lá mesmo onde se diz que “urubu voa com uma asa só, porque a outra é para abanar-se”, “onde dos carros são furtados os radiadores para o aproveitamento da água”. Aceitou o convite, a despeito desses seus hábitos genuinamente citadinos – logo ela, uma apreciadora do clima londrino.

 Na composição de sua nova equipe, levou consigo uma servidora que voou do Japão, fez escala em São Paulo, Maceió e, enfim, aterrissou numa plantação de palma rodeada de cactos. A oriental, no entanto, lhe toldou a faceirice, roubou sua cena. Em todos os recantos da cidade não se falava na elegância de Silvia D’Lutrec, mas na sua amiga de corpo delgado,olhos puxados, cabelo sem cachos e sorriso sempre estampado, a que desfila de botas cano longo no solo rachado do sertão, como se estivesse caminhando, em pleno inverno, na Av. Paulista. Vendo-a aflita com o calor de 40 graus, Silvia lhe recomendou trocar as botas por uma sandália rasteirinha, por certo, mais condizente com o clima local. Pôs algum bálsamo na ferida narcísica aberta em si, por sua sofrida invisibilidade, e encaminhou-a à única loja de grife da redondeza, opinou sobre escolha do calçado ideal – embora seu recôndito desejo fosse o de indicar-lhe uma “xô boi”. Nos primeiros dias, viu-a meio cambaleante com os pés sobre as rasteiras compradas, seus dedos nus pareciam estar tímidos, daí por que, logo em seguida, sem dar qualquer satisfação, tornou a usar as botas.

 Silvia, por sua vez, numa tentativa inglória de fazer notado seu charme, muda a cor do cabelo, capricha no estilo dos modelitos, com que, em Maceió, sempre fizera sucesso, realça a maquiagem, aumenta o tamanho do salto... Mas nada! Os olhares permanecem convergindo, exclusivamente, para a menina da Terra do Sol Nascente, como se esta fosse um ser extraterrestre e aquela uma mera nativa.

 Todavia, a japonesinha, mostrando-se tão solícita, tão afável, orientou-a a arrumação dos novos aposentados de acordo com o feng shui, e revelou-se, em suma, uma companhia não somente das atividades laborais naquele solo quase inóspito, bem como nas idas à massagista, à academia, à manicure, ao supermercado... Não vira alternativa, senão procurar um psicólogo no município vizinho que lhe orientasse na lida com esse trauma: o de ficar invisível ao lado da delgada japonesa.

Simone Moura e Mendes

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Simone Moura e Mendes ESCRITO POR Simone Moura e Mendes Escritora
Maceió - AL

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