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Em mil pedaços...

Murilo,
 
 
Desculpe-me, sei que já estás cansado de ler todos os textos escritos por mim e que eu não deveria enviar e-mails tarde da noite nem ligar, apesar de você ser meu namorado, somente para falar de coisas que para mim tem sentido, mas que para você não dizem nada. 
 
Sei também que você não tem tempo para minhas besteiras, como você mesmo diz, e que  você detesta as surpresas que faço, por causa disso te peço perdão, antecipadamente, pelo tempo que tomarei de você e pelo susto.
 
Aposto que agora você deve estar pensando em jogar fora o embrulho e essa carta, mas não faça isso. Te asseguro que a carta irá valer à pena e se quer um conselho: deixe o embrulho por último, não largue-o. Ele é o meu último presente para você.
 
Murilo você sabia como eu era. Sabia que eu acreditava em contos de fadas, em anjos, em Deus e mesmo assim você disse que daria certo, que bastava um não tentar mudar o outro para que pudéssemos ser felizes juntos. Você disse que eu te completava e que nunca iria querer mudar nada em mim. No entanto, você tentou. Por quê, Murilo, você queria que eu mudasse? 
 
Você queria que eu parecesse mais com você, que eu deixasse de sonhar e que fosse mais realista. Perdi a conta de quantas vezes brigamos por causa disso. E confesso que tentei mudar alguns hábitos para me encaixar nos seus padrões. Entretanto,  não consegui. 

Minhas crenças fazem parte do que sou de tal forma que não consigo arrancá-las ou substituí-las. Afinal, eu não posso simplesmente sufocar a criança que há em mim e substituí-la por uma pessoa cética e sem sentimentos só porque você não gosta que eu seja assim.
 
Em vários momentos eu tentei ser como você queria. Um pouco mais madura, calculista, durona, cética e insensível. Mas, sabe, Murilo querido, eu sou madura quando tenho que ser e isso não me impede de ser sensível, de ter confiança nas pessoas e de acreditar que tudo é possível.
 
E apesar de tudo isso eu queria ficar com você. Porque eu te amo e para mim isso bastava. É, ‘bastava' e 'queria’, pois agora não basta e eu não quero mais. O que me fez mudar de opinião foi a sua postura ontem quando te entreguei o poema: nem mesmo fez questão de pegar o papel das minhas mãos para fingir que lia. Com a tola desculpa de que estava cansado e que o poema tinha muitas estrofes você foi dormir. Será que você não pensou no quanto isso iria me machucar?
 
Você foi dormir despreocupado. Eu não. Eu fiquei lá durante o resto da noite tentando diminuir o máximo que pudesse para que quando você acordasse aprovasse o que escrevi.  Mas pela manhã, Murilo, você nem sequer olhou o texto dizendo que tinha que chegar mais cedo no escritório e que não tinha tempo de ler porcaria.  
 
Foi naquele momento que descobri que escrevo na esperança de que você se emocione, que perceba que é sobre você que falo, que tenha orgulho de mim e que diga quão boa escritora eu sou. Somente ontem percebi que escrevo na esperança de ganhar sua aprovação e para mim isso basta!
 
 
Eu suporto a sua falta de romantismo, o seu esquecimento de datas importantes, o seu egoísmo, a sua falta de espontaneidade, mas não suporto o fato de me pôr em segundo plano por alguém, ainda mais quando esse alguém não me valoriza e não me ama.
 
O fato de escrever deveria ser um prazer para mim e não uma espécie de prova. Mesmo se fosse, jamais teria posto você como avaliador. Afinal, quem não consegue perceber milagres na própria vida vai ser capaz de percebê-los nos outros?
 
Hoje, me pergunto se valeu a pena dedicar seis anos da minha vida em um falso conto de fadas. Talvez o ‘nós’ já nem tenha mais significado para você e você só continua aqui porque não quer admitir o fracasso. Eu não tenho problemas quanto a isso: fracassamos. Eu nunca pensei que o som desse verbo 'fracassar' fosse tão doce. 
 
Adeus Murilo. Seja feliz. Pois eu pretendo ser.
 
P.S.: Se eu te conheço bem - e conheço - aposto que, agora, você está segurando o embrulho em uma das mãos. Perguntando a si mesmo: o que será que aquela louca colocou aqui? 
Continue apalpando, Murilo. Descobriu? É uma caixa em formato de coração. Irônico, não? E você sabe o que tem dentro dela, não sabe? Nela está o poema que  fiz para você ontem à noite. Picotado em centenas de pedacinhos.  
Vamos então, querido, fingir que é um jogo. Eu sei o quanto você gosta de quebra-cabeças. Junte todas as partes do poema para que assim você descubra como se sente uma mulher quando tem que consertar o próprio coração, após ele ter sido partido em mil pedaços por um idiota.
 
P.P.S.:Passo amanhã para pegar o resto das minhas coisas.
 
Gabriella


 

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IORGAMA PORCELY ESCRITO POR IORGAMA PORCELY Escritora
São Leopoldo - RS

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