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O grito de Gioconda...

A falta de segurança pública tem sido um tema comum hoje em dia – tudo que se relaciona a isso acabou virando clichê. Os cidadãos das gerações mais antigas relembram com saudosismo aquela época onde sair de casa sem paranoias ainda era possível. “Andávamos por todo canto, não havia esses crimes que são comuns nos tempos atuais” – dizem. Outros ainda relembram: “A única coisa de que tínhamos medo era do ‘carro preto’” – que era conhecido por raptar crianças atraídas por doces – mas que, no fundo, era mais mito do que realidade.
 
Hoje, vivemos um caos, sobretudo em Alagoas, onde a situação já fugiu do controle há muito tempo. Alguns argumentam que a origem da violência atual está na desigualdade social; parece óbvio, visto que, conforme disse Nizan Guanaes, “enquanto a maioria não come, a minoria morre de medo de quem tem fome”. E o problema, nesse caso, não seria só a miséria, mas todas as outras mazelas sociais que atingem os grupos de indivíduos que estão “à margem” da sociedade (daí o termo marginal).
 
Mas isso nem é tão óbvio quanto parece. Uma simples comparação com as gerações anteriores à nossa, sinalizará que a desigualdade social não é novidade. Qual a diferença, portanto, da desigualdade social daquela época para a que vivenciamos hoje? Ai o verdadeiro sêmen da violência: a diferença é que antigamente ainda se oferecia uma educação sólida, além de que, nossas instituições familiares eram mais respeitadas. Perdemos muitos valores, é verdade, e junto com nossos valores foi a nossa paz.
 
O problema é cultural e foi desenvolvido à longo prazo. Por que a solução viria, então, à curto prazo? Não, a solução é um resgate daquilo que nos foi perdido – e isso é uma responsabilidade mútua entre sociedade e governo. A educação civilizatória sem a educação familiar é manca – a recíproca também é válida. No entanto, enquanto o governo achar que educação é gasto, e não investimento; e enquanto parte das famílias acharem que educação é papel do governo, o problema só tende a se acentuar.
 
Fico refletindo sobre que proporções o crime tem se disseminado na nossa sociedade, e o resultado da reflexão é de conhecimento geral: roubos, assaltos (em março de 2011 fui mais uma vez vítima desse crime), sequestros, explosões de caixas eletrônicos, latrocínio, homicídio, extermínio, lesão corporal, estelionato, tráfico, formação de quadrilha, corrupção, etc.
 
E para quem ainda não está convencido que o problema da violência está na crise de valores morais, basta saber que crime é definido por uma transgressão à moral. E é grave, ressalte-se, visto que, nada pode ser pior do que o crime que atenta contra a saúde psicológica do outro.
 
Impossível não citar outra questão contemporânea intrínseca: a das drogas. Famílias inteiras têm sido destruídas por esse problema sério (outro clichê!), cuja responsabilidade pode ser também atribuída a um governo omisso e descompromissado com a paz. Ora, a natureza explica: da mesma forma que uma colmeia só é desorganizada se retirarmos de lá a abelha-rainha, as drogas só serão erradicadas se o governo tiver um sério compromisso de prender e isolar os traficantes, e a justiça de puni-los, evidente. Mas na prática, eles continuam “reinando” sob suas favelas e regiões, impunes.
 
É impressionante como o crime perdeu, em geral, a capacidade de nos revoltar – são tantas as histórias que tudo acabou se tornando natural aos nossos olhos. Aprendemos a conviver com o mal, e isso é estarrecedor. Mas alguns indivíduos da nossa sociedade são também corresponsáveis por isso. Afinal, o que faz um bandido após cometer um assalto? Vai vender o produto do crime nas várias feiras de produtos roubados espalhadas pelas metrópoles. E, como nos é óbvio perceber, toda venda é composta pelo vendedor e pelo consumidor; a maioria desses consumidores são “pessoas comuns”, aparentemente dignas, inseridas na sociedade, e não à margem dela. Quem adquire conscientemente um produto roubado é igualmente ladrão.

Conivente também é o Estado que faz vista grossa aos comércios ilícitos. Em Maceió, por exemplo, é comum ver bandidos vendendo produtos roubados descaradamente. Há dessas feiras no bairro da Ponta Grossa (Feira da Guedes Miranda), no Mercado da Levada (Feira do Rato), etc. Nenhum trabalho ostensivo das nossas polícias é feito nesses locais.
 
A verdade é que o problema da violência se tornou um caos porque foi desencadeado por vários fatores ao longo do tempo: crise de valores morais, descaso com a educação, descompromisso dos governos, impunidade da justiça. Mas, apesar de parecer irreversível, prefiro crer que há uma solução ainda para tudo isso. E essa solução só virá do anseio da sociedade em se organizar para cobrar do governo e de si própria um trabalho efetivo de resgate da educação e da moral. Individualmente, é-nos suficiente agir com licitude sempre.
 
Dias após ter sido vítima de mais um assalto à mão armada, preciso fazer um desabafo. E esse desabafo me vem de uma cena clássica da TV brasileira – facilmente encontrada no canal de vídeos do youtube:
 
Gioconda, a personagem da novela Global Duas Caras interpretada pela brilhante Marília Pera, está passeando com sua amiga na orla carioca, até que dois marginais roubam-nas. Revoltada, Gioconda clama por justiça social:
 
“Saiam daqui seus miseráveis, seus meliantes, cafajestes, filhos de chocadeira... Chega! Chega dessa indiferença! Chega! Chega! Eu sou uma mulher que acabou de viver uma cena traumatizante! Chega! Chega! Chega! Chega de cinismo! Chega de hipocrisia! Chega de mentiras! Chega de violência! Chega de gente querendo se dar bem! Chega de gente que banca a vítima só pra levar vantagem! Chega de gente sem vergonha na cara e que faz xixi na rua! Chega de favelização! Chega de dengue! Chega de mosquito! Chega de asfalto esburacado! Chega de falta de saúde para o povo! Chega de governantes omissos! Chega de roubo! Chega de bancar o avestruz e enfiar a cabeça na areia pra fingir que não está vendo o que está acontecendo de errado! Chega! Chega! Chega! – grita enlouquecida. Chega! – o último grito ecoa imponente por toda a cidade do Rio de Janeiro”.
 
Que o grito de Gioconda seja o nosso grito. E que Deus realmente exista para nos fazer ver uma sociedade brasileira mais moralizada, organizada e justa. Com menos crimes, com menos impunidade, com menos corrupção. Somos os protagonistas dessa história: “Luz! Câmera! Educação!”.
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Arryson André ESCRITO POR Arryson André Escritor
Maceió - AL

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