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Um papai de vanguarda

Uma alegria invadira o lar de um jovem casal: a vinda da primeira filha – que prêmio dadivoso!

De permeio, viera a insegurança de mãos dada com a inexperiência, fora-se o descanso noturno, as noitadas a dois… O bebê chorava tanto que houvera suspeita de acometimento de alguma doença. A Pediatra que o monitorava quase todas as semanas examinava cada possibilidade da literatura médica, sem que nada houvesse sido descoberto. Quando o choro estancava, esse casal absorvia-se com imensurável amor naquela vida recém-inaugurada a cumular um novo sentido à sua existência.

A mãe aumentara muito de peso durante a gestação, de modo que após o parto somente as roupas da gravidez continham o seu corpo. O remédio seria amamentar a criança, com menos de um mês de nascida, e correr até o Centro da cidade em buscas de algumas roupas novas, deixando-a aos cuidados do papai. Não decorrera uma hora de sua saída e o bebê iniciara uma sessão de choro sem precedentes, a perdurar até o retorno daquela que lhe trouxera ao mundo. O pai, completamente desnorteado, usara de inúmeros recursos para acalento, incluindo oferecer à filhinha seu peito cabeludo, o que fora de plano por ela rejeitado. Nada resolvera, senão os seios e o calor da própria mãe!

Além de tentar amamentar - numa situação de extremo desespero, é óbvio! – esse Pai fazia companhia à sua esposa em todas as mamadas do dia ou da noite, colimando oferecer-lhe tanto o carinho da presença como sua vigília em caso de eventual cochilo da nutriz, o que não seria improvável em virtude do irregular ritmo de sono do bebê. Ademais, considerando a precariedade dos recursos financeiros para compra de fraudas descartáveis, o papai lavava com o vigor de sua força as de pano manchadas pelo mecônio, madrugadas a fora, enquanto o neném estaria sendo alimentado. Essas atitudes de nobreza renderam-lhe muita admiração dessa neófita mamãe.

Esse papai sempre fora obcecado por organização, alinhamento, limpeza, padronização, de tudo o que seus olhos alcançavam. Ele mesmo fazia questão de arrumar até os mantimentos no armário a fim de que tudo ficasse na ordem por si propugnada. A esposa esboçava muitas ponderações, inobstante tratar com parcimônia de revides certas questões imerecidas de maiores consumos emocionais. A filhinha, por sua vez, à medida que crescia, pressionava-lhe a rever seus conceitos.

Em dada ocasião, a garotinha, com cerca de onze meses de idade, conseguira arrancar do corpo a frauda e não se preocupara com as convenções socais: agachara-se para desfazimento de seu bolo fecal. O pai, antes que o volume se precipitasse ao chão, sustivera-o em suas mãos e fora-o equilibrando até atirá-lo na privada. A mãe questionara-lhe a razão dessa conduta, já que o chão poderia ser limpo com água e desinfetante.
Respondera-lhe resoluto: eu evitei sujar o chão, ora essa! Sujar a mão pode, o chão, não – que tipo de loucura é essa? Indagara-se a mãe.

Ao longo do tempo, com a família mais elastecida, foram muitas as manias e bizarrices objuradas e contestadas pelos filhos e esposa. Tudo, na medida do possível, regado de muito amor, humor e carinho, porquanto, de outro modo, o hospício seria alternativa para quaisquer de seus membros. Não se pode duvidar, entretanto, tratar-se de um pai de vanguarda nos idos de 1988! Felicitações ao papai e à família que souberam empregar sabedoria para conviver com os pesos e contrapesos do dia a dia!

Simone Moura e Mendes

www.simonemouramendes.com

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Simone Moura e Mendes ESCRITO POR Simone Moura e Mendes Escritora
Maceió - AL

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