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Lembranças à comta dos versos

Menino de inteligência tenaz, personalidade já consolidada, com vocação altruísta; decisões determinadas, quase sempre irrevogáveis, nas encruzilhadas da vida; atributos firmemente demarcados numa idade onde o lúdico deveria preponderar. Sabia dizer de si, agir em consonância com a razão, mesmo que a emoção em si dissesse-lhe o contrário. Não costumava olhar para trás. O horizonte era o seu guia e o avante a palavra de ordem.

Sobejava-lhe destreza nas inúmeras modalidades esportivas, o quê o fazia atrair, companheiros, amigos – ou até olhares de “secar pimenteira”; induvidosamente, os olhares femininos, de cobiça e admiração, muitos se vertiam para si. Excelente jogador de voleibol, freqüentador das peladas e dos campeonatos, sempre, com destacadas participações. Seu jogo, a agilidade na posição de levantador não ficava incógnito aos olhares ávidos de certa menina, que de tudo fez para dele estar próxima. Até que seus olhares se enfeixaram na luz da paixão. O “cupido” dilacerou o coração da menina.

Um casal de namorados de 12 anos de idade, com propósitos vigentes no hoje de cada dia, apenas; num tempo em que se dizia “vou conversar com minha namorada”: um beijo era um “selo”, com espírito de transgressão; um segurar na mão era o píncaro da intimidade, o auge da realização. Naquele remoto tempo, mais enfaticamente do que nos tempos hodiernos, a posição social era um óbice, normalmente, intransponível, para o sacramento das paixões. Ele, um filho de operador portuário, experimentava as tempestades de escassez e a bonança da fartura; e ela, filha de abastada família do setor sucroalcooleiro. Vingar essa relação era uma suprema afronta às leis sociais. Foi, então, denunciada ao pai pela madrinha déspota.

Não se resignou às rédeas paternas; a despeito da intensa vigilância familiar, rompia o umbral da janela em surdina, no remanso da noite, a fim de encontrar-se com o objeto da velada paixão. Ele, porém, ao tomar conhecimento da objeção familiar, disse-lhe que o idílio não podia perdurar já que seu futuro era incerto, enquanto o dela, por certo, bem delineado. Peremptoriamente, vendo-se portadora do mais lídimo direito às próprias escolhas, fê-lo obtemperar diante de sua certeza de querê-lo. Não obstante isso, romper a hierarquia paterna estava a anos-luz de suas forças. O pai havia decidido: colégio interno em distante interior do vizinho Estado.

Deixou-lhe uma jóia de uso pessoal como recordação, como representação de uma pretendida aliança, num futuro em que seriam detentores de seus destinos. Os lados opostos tomados naquele momento, para ele, eram como se estivessem seguindo em retas paralelas. E foi. Seguiu sua vocação de vencedor, herdada do esporte, apaixonou-se, em tempos mais maduros, por outra garota; casou com ela: o único verdadeiro amor de sua vida. Viveu intensamente até o dia da falência da respiração de sua amada, aquela com quem teve fôlego para conquistar todos os destaques: social, cultural e econômico.

Aquela intimorata menina, sua primeira namorada, por seu turno, o destino levou para lugar incerto e não sabido; jamais quis saber para qual direção, porquanto ela não caberia em sua idílica vida - a única com que poderia sonhar. Guarda, meramente, as ternas lembranças de um desabrochar romântico à conta dos versos.


Simone Moura e Mendes
 
 

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Simone Moura e Mendes ESCRITO POR Simone Moura e Mendes Escritora
Maceió - AL

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