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O encantador de serpentes

Eu já sonhava com a textura do teu toque,
quando o palco ainda era tua morada.
Eu já imaginava o calor de tuas mãos,
desde a primeira vez
em que te vi acariciar a pele das congas,
ordenando tuas vontades em gestos,
e elas, alucinadas, te obedecendo em ritmos.

Eu recriei em ondas cerebrais o teu grito rouco e forte,
quando meus ouvidos só conheciam
as primeiras nuances de tua voz cantarolando em falsete,
dando ritmo as mulheres que te adornavam o solo.

E já sabia que um dia tu descerias do tablado,
e buscar-me-ia com os olhos em meio ao público.
E quando me achasses, sorririas,
e com calma entrarias em minha vida,
como se há muito ela já fosse tua.

De antemão, eu sabia que me olharias nos olhos,
e me afagarias as mãos.
E que me dirias coisas profanas ao ouvido.
Segredos nossos, do que ainda teríamos a sobreviver,
mas que eu já colecionava e, por isso, não me assustavam.

Disso tudo eu sabia,
porque antes do fim do show de tua vida,
antes de desceres do palco
eu já havia pedido licença ao meu sagrado
e tratara de exercer minha arte, o meu ofício,
para restituir-lhe o feitiço em gênero e em número,
mas em grau mais intenso.

Para ter-te meu, como me tinhas,
Tive que te fazer cativo do meu enredo.
Teci-lhe uma longa e emaranhada história,
cheia de nós e pontos reversos,
na qual eu trançara, cuidadosa e antecipadamente,
o roteiro que eu queria que tivesse a nossa sobrevida.

Pedi licença ao teu profano
e estreei no teu palco a minha fábula,
cheia de heróis, príncipes,
capas, espadas e dragões vencidos.
Nela, não haveria piedade para os maus.
Também não haveria donzelas,
até para que não houvesse necessidade de dublês
e com isso inchasse o orçamento
– já que dinheiro é sempre problema nos relacionamentos.

No palco, só eu e você.
E o final era de múltipla escolha,
qualquer deles, venturoso.
É que tínhamos nos pulsos
como garantia de vida, a marca dos afortunados.
O sinal profundo, feito a ferro e fogo
pouco depois do nascimento,
e que nos identificaria quando, enfim, nos defrontássemos.
Por ele, perdíamos o medo,
pois sabíamos que juntos,
separados pela vida ou por outros amores.
Em qualquer dos finais, seríamos “felizes para sempre”.
 
 
Para Jurandir Bozo, publicado no blog Palavras de Absinto (www.palavrasdeabsinto.blogspot.com)
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