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Todas as histórias tem finais felizes se soubermos quando parar de conta-las*

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O sol estava se pondo no horizonte enquanto os dois caminhavam de mãos dadas, pelo centro da cidade, em silêncio. Vez ou outra, a garota sorria apontando com a mão livre algo que chamava sua atenção e ele fazia algum comentário. 
Caminharam assim por algum tempo, enquanto ele procurava a melhor forma de falar para ela como se sentia. De repente, o garoto parou e virando-se na direção dela perguntou:
- Sabia que todas as pessoas que entram em nossas vidas, entram por algum motivo?

- Acho que já ouvi isso em algum lugar. - Ela disse sorrindo. - Espere... Semana passada, se não me engano, estávamos conversando sobre isso.
- Certo. Mas você sabia que além de entrarem por algum motivo, elas entram para nos trazer algo? Por exemplo, às vezes você se sente tão cansado de lutar que quer parar e alguém aparece para te dar uma palavra de conforto e...
- Também já ouvi você falar disso. - Ela falou, impedindo-o de continuar.
Dando um pequena pausa para arrumar seus pensamentos, ele logo continuou.
- Ah! Mas você sabia que além de entrarem por algum motivo e para nos trazer algo, as pessoas mais importantes para nós ficam conosco por pouco tempo?
- Não fique de mau humor, mas você já me disse isso. E como eu disse na semana passada: não acredito nisso. As pessoas que eu amo e que são importantes para mim já estão comigo a um longo tempo.
Ele respirou algumas vezes tentando tomar coragem para dizer as próximas palavras.
- Quer ouvir algo novo?
- Depende. Vai ser sobre outras pessoas e os motivos ou não que as fazem entrar em nossas vidas? - Ela falou impaciente. Tinha hora para chegar em casa e não estavam nem na metade do caminho.
- Não. Vai ser sobre você.
- Sobre mim? - Dessa vez ele a havia surpreendido.
- Sim. Sobre você. Você trouxe para os meus dias algo que eu não acreditava mais: felicidade. E o motivo de ter entrado era para eu não deixar de acreditar em milagres.
- E por que eu não te deixo desacreditar? - Ela falou. Tentando digerir o que ele havia dito.
- Porque você veio para mostrar que as pessoas mais importantes para nós podem ficar por muito tempo.

 

Quase sete meses depois.


Ela observava o céu coberto de estrelas enquanto esperava por ele no portão. Embora não soubesse o porquê, estava apreensiva. Queria que ele chegasse logo para que a sensação fosse embora.
Passaram-se mais alguns minutos até que ele chegasse, mas antes que ela pudesse abraçá-lo, ele disse:
- Eu preciso falar algo muito sério com você.
Ela não gostava quando ele usava esse tom com ela. A sensação voltou.
- O quê? - Ela falou, embora temesse a resposta.
- Eu não sei como começar. Eu...
Ela aguardou. Não havia mais surpresa.
- Você é uma pessoa incrível. Mas eu conheci outra pessoa. Não queria, simplesmente aconteceu. Eu...
- E aquele papo de ser para sempre e de não deixar de acreditar. Era tudo mentira?

- Não. Naquela época era verdade.. Agora, não mais. Meus sentimentos mudaram.
- Simples assim?- Ela o desafiou.
- Não. É muito complicado me despedir da nossa história. 
- E mesmo assim você vai desistir de mim, de nós? Não era isso que eu esperava de você. - Ela limpava as lágrimas que teimavam em cair - Eu te amo, você prometeu lutar por nós naquela tarde, mas agora, quando é necessário que você fique e lute, você está abandonando o barco.
- Eu jamais quis te machucar. - Ele sussurou.
- Não importa. O fato de você se sentir culpado ou não, não vai fazer com que a dor passe. Como você pode trocar o que temos? Por favor, por favor... - O que ela queria falar era: 'Por favor, por favor, fique comigo.', mas temia que a súplica o convencesse e ele ficasse não por amor, e sim porque achava que era o certo.
Não havia mais nada a ser dito. As palavras que podiam acabar com a dor que ela sentia, ele não conseguia dizer. Então, ele a deixou. Chorando, ela o viu sair e pensou que aquela ferida jamais iria cicatrizar. 


Oito anos depois.

 

O sol que entrava pela janela fez com que ela acordasse. Enquanto se espreguiçava, olhou no relógio - que ficava na mesinha ao lado da cama - e percebeu que estava quase atrasada para o trabalho porque havia esquecido de programar o despertador na noite anterior.
Pulando da cama, ela se empenhou em uma verdadeira corrida: tomar banho, escovar os dentes, trocar de roupa e comer alguma coisa, tudo isso em menos de trinta minutos. Estava terminando de pentear os cabelos quando a sua carona buzinou.

- Já vou! - Ela gritou da janela.
- Dez minutos! - Foi a resposta.
Em cinco, ela estava fechando a porta do carro.
- Deixa eu adivinhar? - Sua amiga falou - Esqueceu de programar a droga do despertador de novo. Acho que vou começar a ligar, quando o meu lá em casa tocar, para te acordar. O que você acha?
- É uma ótima ideia! E eu que pensava que diretores de criação não faziam nada além de aprovar as ideias brilhantes dos diretores de arte. - Ela implicou com a amiga fazendo referência as profissões das duas, respecitvamente, diretora de arte e criação.
Alguns minutos depois, quando pararam em um sinal vermelho, a amiga apontou para uma vitrine na qual estavam expostos vários sapatos e disse:
- Veja! O meu sonho de consumo é aquele vermelho, o de salto. É lindo, não? Combina com aquele vestido que eu tenho e...
Ela não chegou a ver o sapato, pois, ao se virar na direção apontada pela amiga, algo chamou sua atenção. Um homem. Mais precisamente, um homem de oito anos atrás. Ele não a viu. Caminhava apressado, falando no celular. Mesmo assim, ela acompanhou com o olhar até ele, ao dobrar uma esquina, desaparecer.
Esses quinze, vinte, trinta segundos bastaram para que as lembranças aprisionadas na sua mente surgissem com força total. O passeio no parque. O primeiro beijo. As juras de amor. O encaixe perfeito das mãos. Um filme no cinema. A primeira briga. A última dança. O última beijo. A despedida. As lágrimas caindo enquanto ele ía embora.
Ela esperou pela dor que aquela ferida outra vez aberta, ía causar, mas a dor não veio. Tinha desaparecido. Então, depois de anos presa no passado, ela finamente conseguiu pôr no rosto um sorriso sincero. Ela sorriu porque sabia que por alguns meses os dois haviam sido felizes juntos. Ela sorriu porque somente agora conseguia perceber que separados os dois haveriam de ser felizes para sempre.
Ela olhou para a amiga que continuava falando sobre sapatos. Sorriu. Com a cabeça indicou que o sinal estava outra vez aberto. De muitas maneiras. Ao pôr, novamente, o carro em movimento a amiga disse para ela:
- Deveríamos ir na loja sábado, o que você acha?
- Eu adoraria.


* O trecho * é uma pequena frase presente nas histórias de Sandman, escrito pelo brilhante Neil Gaiman, o mesmo de Stardust. Vale a pena conferir os quadrinhos dele porque é impossível ficar indiferente.

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IORGAMA PORCELY ESCRITO POR IORGAMA PORCELY Escritora
São Leopoldo - RS

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