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Os netos e os avós: não somente um salto tecnológico...

Apesar de jovem senhora, imerge na sensação de que está separada da geração de seu neto da mesma forma como a Idade Média estivera para a Moderna. Entre eles, um salto tecnológico: das trevas para a luz. Fica desconsertada ao vê-lo manusear o celular Black Berry, o computador, o vídeo-game, o blu-ray, o Ipod touch com indizível intimidade. “Veja, Vó, é muito fácil! É só apertar aqui, aqui, fazer isso e aquilo...”. A isso lhe respondeu que sua cabeça já não suporta tanta informação. Um on e um off  já lhe basta; explorar manuais, nem pensar! Seu celular fica até meio “inibido” perante o das amigas, mas não cede aos apelos do capitalismo; ademais, somente pensar em ter de reaprender as informações mais elementares para seu uso, prefere ficar com o seu aparelho demodê a incomodar o “tico e teco”.

Certa feita, conforme costuma fazer quando a saudade monopoliza seus sentimentos, foi buscar o neto mais velho na escola. Ele, ao entrar no carro e pedir-lhe a benção, estupefato, mostrou-lhe um LP de Roberto Carlos e disse: “Vó, você sabia que, há muito tempo, mas bem antigamente mesmo, daqui de dentro saía música?” Verdade, João? – aliou-se, momentaneamente, à surpresa do garoto, para, depois de vencer um arroubo de gargalhada, confessar-lhe que já dispunha de um punhado daqueles objetos extraterrestres. Oh João, sou do tempo em que novela se assistia pelo rádio!! “Como assim, vó?!”

Em sua casa, no “quartinho da bagunça”, mantém algumas peças de museu, das quais não tivera coragem de desvencilhar-se – era como se, assim, preservasse mais nítida a memória do saudoso pai. Levou João, então, com oito anos, para conhecer uma máquina de escrever Remington; ofereceu-lhe toda a explicação de manuseio daquele objeto. Dissera-lhe, inclusive, que um curso de datilografia abria o mercado de trabalho aos jovens, num passado não tão distante. Ela, por exemplo, ainda conserva o seu diploma enquadrado. Atento a tudo, o garoto parecia borbulhante de questões. Interrompeu a avó e perguntou: “mas onde está o delete? E o control c? E o control v?”...

E não é só a destreza com a tecnologia que essa geração ostenta. Num domingo de Carnaval, ela levava o casal de netos à Praia do Francês, quando foi parada por policiais militares, que lhe entregaram um kit de prevenção contra AIDS. Ao abrir o pacotinho, a netinha, de cinco anos, perguntou: “Vó, o que é isso?” Acho que é bola de soprar, amor. O menino, sem qualquer cerimônia, interveio: “ô Vó, eu pensei que fosse camisinha. Ruborizada, incontinenti, lembrou de quando perguntara à sua mãe, com cerca de seis anos, por onde nasciam os bebês, ao quê lhe foi mostrado a incisão da cesariana. Dias depois, ela irrompeu, aos prantos, no quarto da mãe com uma revista Pais & Filhos na mão, acusando-lhe de mentirosa, porquanto a fotografia era de um parto normal. Com essa lembrança e a intervenção do neto, concluiu: não adianta enganar criança!

Simone Moura e Mendes

(Publicada em O Jornal, edição de 23/20/2012)

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Simone Moura e Mendes ESCRITO POR Simone Moura e Mendes Escritora
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