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Com o PJe: na praia, nos EUA ou em Bangladesh

Com a indisfarçável ansiedade de quem é egresso da máquina de escrever, adentrara na sala onde servidores trabalhavam, já um tanto quanto à vontade, no processo judicial eletrônico. No recinto, não encontrou os volumosos autos de processo, carimbos, perfuradores, tampouco a avalanche de advogados requerendo carga... Para si, indubitavelmente, o lugar era incomum. Renovava-se a sensação de que estava sendo tragado para o abismo da obscuridade, para um mundo desconhecido, onde a linguagem pátria incluía bug, plugin, browser, Java, Firefox... “Nuvem”?! Essa não dá traços de passageira!

O mundo virtual se traduzia em realidade inexorável, impostergável, em coisa julgada absoluta. Oxigenara o cérebro com uma respiração profunda e, voltando à lucidez, avistou uma servidora com quem possuía maior proximidade. “Olá fulana, tudo bem por aqui? Eita, o sicrano, ali atrás, um velho conhecido... Ótimo!”. Com o calor de quem, indômito, não vacila diante dos desafios, perguntou: “O que estão achando do PJe? É verdade que as partes não precisam assinar a ata de audiência?! Como é que fica a segurança jurídica? Como é que o juiz sabe quando há despacho para ser assinado?...”.

Uma por uma de suas questões iam sendo respondidas segundo a opinião dos seus interlocutores, com a iluminação do entusiasmo daqueles servidores que não se viam na iminência de ser picado pelo computador; ao contrário, assenhoreavam-se, amistosamente, cada vez mais, do novo e irreversível paradigma. Dentre eles, havia, também, quem se alarmara com a máquina de escrever elétrica, e que, portanto, auscultava, com distinguida empatia, a angústia do eminente magistrado; havia quem já houvesse nascido na era da informática, para quem o PJe era uma ferramenta a mais; havia um Oficial de Justiça exultante por encontrar meios de diminuição de suas distâncias; e ainda, havia quem se dizia a própria informática, um verdadeiro integrante da NASA. A missão daqueles precursores, então, era emanar fluidos de esperança em todos os vértices da instituição, soprar uma aura de positividade no descortino do “admirável mundo novo”.

Todos, envoltos no afã da coletiva superação do medo, passaram a escutar os receios daquele magistrado, também, em relação ao futuro de outros atores da justiça: “E os advogados, como se comportarão os que mal são íntimos do seu mister? Certo dia, fora obrigado a extinguir um feito sem julgamento do mérito porque um causídico refutara todos os pedidos da inicial – ‘hora extra, refuto; aviso prévio, refuto; FGTS, refuto...’, quando uma breve visita ao dicionário o salvaria do suicídio jurídico; em suma, da narração de todos os fatos não decorria logicamente a sua conclusão. Noutra situação, um advogado pleiteou danos morais pela hérnia de disco na virilha (?) do seu constituinte. Outro inquilino da justiça postulou danos morais por doença ocupacional em decorrência de um cisto de ovário de sua cliente, foi quando lhe indaguei, meio indócil, se o tipo de relação era mesmo trabalhista...”. Nesse ínterim, um dos servidores lembrou que, na sua unidade judicial, não sabendo explicar em que instância, se material ou espiritual, um causídico obteve poderes de representação de um morto, ou de cujus, na expressão forense... Procedentes, portanto, os receios do magistrado.

A verdade é que o Pje é uma sangria que já não se estanca. Quem o considera amigo, a ele declara o seu amor e o pavor ao papel, grampos, bailarina, elásticos, carimbos, aos ácaros. E, por oportuno, sugere que a quem o vir tomando sol na praia, antes de desdenhar do funcionário público, veja se porta um tokem e um notebook; se sim, busque entender que o PJe o liberta da clausura do gabinete e o facultar a poder produzir em casa, nos EUA ou em Bangladesh. A internet é o limite.

Por outro lado, quem o julgar inimigo, é melhor a ele se aliar!

Simone Moura e Mendes

www.simonemouramendes.com

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Simone Moura e Mendes ESCRITO POR Simone Moura e Mendes Escritora
Maceió - AL

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