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ESCRITORES NÃO NASCEM FEITOS, FAZEM-SE!!

Escritores não nascem feitos, fazem-se!

*Carlindo de Lira Pereira

 

       Quando concluí o, então, curso científico em dezembro de 1984, não havia dúvida na minha mente de qual curso entre os oferecidos pela Faculdade de Formação de Professores de Arapiraca, eu iria fazer: LETRAS!  Por quê¿ Além da ótima plêiade de professoras e professores que me inseriram na aquisição da língua escrita, processo de alfabetização e educação básica, uma professora, Madalena Menezes, em especial, usou no terceiro ano do ensino médio, uma metodologia diferente de tudo que tínhamos visto: logo nos primeiros dias de aula dividiu a turma em grupos de estudo para lermos textos, isso mesmo, textos! Lembrando que em 1984 o ensino de Língua Portuguesa era como continua até hoje, ainda, prioritariamente estudar regras de gramática!                                                                              

       Mas, contrariando a lógica metodológica de seu tempo, nas aulas dela nós líamos textos de escritores brasileiros, modernismo, semana de arte moderna: Oswald de Andrad, Mario de Andrade, Manuel Bandeira, Graciliano Ramos, fomos literalmente apresentados  ao mestre Graça! Lí  posteriormente quase todas as suas obras: Vidas secas, São Bernardo, Caetés, Memórias do Cárcere, Alexandre e os Outros heróis,  Angustia,  Linhas tortas (estonteante obra de crônicas)  e  Cartas (livro de correspondências entre Graciliano e sua segunda esposa Heloísa Ramos), que tive a satisfa-ção de conhecer e conversar demoradamente com ela, quando visitou Arapiraca em 1987, mulher já idosa, mas de uma energia entusiasmante. Ela me presenteou, pessoalmente, as obras supracitadas do mestre Graça.

       Claro, que a professora Madalena Menezes fez-se presente quando Heloisa Ramos visitou Arapiraca e fez-lhe companhia, enquanto eu estava hipnotizado pela aura de poder histórico que emanava da fala e da presença de Heloisa. Ela, com sua percepção apuradíssima deve ter percebido meu encantamento, talvez  para me recompensar doou-me os livros.

     Metodologicamente  o contato com textos prosseguiram nas aulas da professora Madalena, por isso líamos Rachel de Queiroz e o drama da seca no nordeste; José Lins do Rego e a realidade e ficção no engenho; Jorge Amado e as mil faces da Bahia; Érico Veríssimo e o resgate histórico e crítica; Carlos Drummond de Andrade e o gauchismo com o sentimento do mundo; Murilo Mendes em busca da unidade; Jorge de Lima em busca do elo perdido;  Cecília Meireles, o efêmero e o eterno:  Vinícius de Morais e o canto de poeta e de cantor;

       Essas aulas eram muito ricas, lá a vida pululava, conhecíamos os escritores por meio de suas biografias que se estendiam por suas bibliografias, e no dia seguinte surgiam novos nomes:  Clarice  Lispector  e  a  escritura selvagem; Guimarães rosa e a linguagem reinventada; João Cabral de Melo Neto e a linguagem objeto, “a Educação pela pedra e, Vida e Morte Severina”;  a inesquecível  leitura  de  “beba coca cola”,  de  Décio  Pignatari;  e,  ainda, “Agosto 1964” de Ferreira Gullar.  Eu me encontrava como numa  ilha cercado por todos os lados,  por esses artistas da palavra e do pensamento-sentimento de brasilidade (modernismo). Madalena povoou nossas ideias de intertextos, que atravessavam nossas falas e nossa produção escrita;  as marcas desses  escritores, e tantos mais, estão presentes até hoje na minha maneira de pensar e sentir, a mim próprio, meus relaciona-mentos pessoais, a sociedade e o mundo.

       Como esquecer o primeiro livro que foi colocado a mim pela professora Madalena, como desafio para ler e fazer uma análise de seus aspectos textualmente constituintes: “DOM CASMURRO”, e  dissecar  as  personagens, o tempo, o espaço, o enredo e  a compreensão  do  efeito  de  sentido proposto pelo autor, MACHADO DE ASSIS nas entrelinhas do romance, hermeneuticamente, assim, construído: Capitu traiu ou não¿

       Diante dessas informações-diálogos promoveu-se minha formação de cidadão-leitor-produtor-de-textos, parece-me que os escritores não nascem escritores, mas, antes, são feitos, processualmente construídos pela interação constante, ininterrupta, pelo contato cotidianizado com os textos e seus produtores.

       Foi nesse espaço-tempo pedagógico planejado e organizado pela professora Madalena  Menezes, que o potencial lingüístico de vários alunos, se não de todos, transmutou-se em desempenho lingüístico real. Estou, hoje, após duas décadas e meia de trabalho com o ensino-aprendizado da Língua Portuguesa, convencido de que o papel primeiro do espaço-tempo escolar é provocar  vivências de leitura de crônicas, contos, romances e poemas, para citar somente textos literários, e promover, conseqüentemente,  a reflexão-produção de outros-novos-textos nos alunos, desde a  alfabetização ao último ano do ensino médio; é assim que venho já a algum tempo, antes mesmo do ENEM  e da necessidade de colocar a textualidade como foco principal das aulas de Língua Portuguesa, atuando dentro e fora da sala de aula, apesar de ter recebido críticas anônimas, pois fugiam do debate, de colegas professores gramatiqueiros, que hoje são forçados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino da Língua Portuguesa, a reverem suas concepções de Ensino da língua materna. Por isso, reafirmo escritores não nascem feitos, mas, antes, fazem-se pela e com a LEITURA.

  • Professor da Uneal e Escritor da Acala

 

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Carlindo de Lira ESCRITO POR Carlindo de Lira Escritor
Arapiraca - AL

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