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"VIAGEM INSÓLITA"

                  “INSÓLITA VIAGEM À VIAMÃO”

 

É natural e inerente ao ser humano deslumbrar-se com o primeiro carro que compra, mesmo que seja uma Brasília 76. Com o Jarno não seria diferente, principalmente ele que sempre sonhou com esta oportunidade. Depois de muita economia, sabedor que lá no morro Santa Maria tinha uma Brasília azul para vender, que lhe disseram estar “inteirinha”, inclusive com alguns acessórios especiais, sejam eles: volante com forro de pelego, câmbio com uma bola de acrílico transparente, com uma aranha interior da mesma. No painel tinha uma frase que dizia: “No baralho da vida pifei por uma dama”. No assoalho, lado do caroneiro, ao fundo, estava fixada uma santinha com luz negra que, a cada vez que pisava no freio, a luz acendia. Continha ainda fotografia dos filhos no painel com os dizeres “ papai, volte sempre”. No vidro traseiro um leão de pelúcia com olhos de acrílico e uma mãozinha sempre abanando. Enfim, um carro para ninguém botar defeito, era uma jóia rara, bem ao gosto do Jarno. Mais ainda, o novo proprietário não tinha carteira de habilitação, tampouco o veículo possuía documentação para trafegar, exceto um recibo manuscrito de compra, cujo valor legal era nenhum.  Aqui começa tudo. No primeiro sábado depois da compra da tal Brasília, Jarno, feliz da vida, resolveu encher o carro com seus filhos e mulher, levando junto presentes, bebidas, carne para churrasco e como diria o castelhano, “outras cocitas más”. Resolvera visitar seus parentes lá pras bandas de Viamão, nesta época nosso protagonista residia no bairro partenon em Porto Alegre, lá perto da PUC, como ele mesmo dizia. Alegre e saltitante o nada prudente motorista, após conferir tudo e todos se “largou” em direção à Viamão. Desceu a Vidal de Negreiros “flechado” e cometeu a primeira grande bobagem, isto é, atravessou a avenida Bento Gonçalves sem parar ou olhar para os lados, havia esquecido que era uma preferencial muitíssimo movimentada. Foi uma verdadeira roleta russa, pois se mais cem vezes tivesse atravessado a dita avenida, não sairia incólume em nenhuma delas. Nasceram de novo, dizia para si mesmo um aposentado que assistira tudo. Retornou logo a seguir, entrou na avenida e se foi em direção ao carrefour, foi direto à Viamão. Vez ou outra ligava enganado o limpador de para brisas ou outro acessório qualquer. Exultante com o carro ele mesmo se desculpava por ainda não estar habituado com todos os “botões” do andor. Mas a história ainda não havia começado, tudo estava por vir. Tudo estava por acontecer. Ao passar pela Policia Rodoviária Estadual, antes de Viamão, foi barrado pelo Policial, que orientou o Jarno para estacionar na lateral. Assim o fez, porém sem ligar a seta (não tinha).

 

Bom dia. – cumprimentou o guarda –

E aí, como é que está meu chapa ? – respondeu displicente o Jarno –

 

Disse o Policial – Por favor, Senhor, os documentos do veículo e sua habilitação e identidade – pediu –

 

Bah ! to  “fudido”, pensou Jarno (coisa rara) Pressentiu que não era uma brincadeira e mostrou-se nervoso

 

Sua mulher Marlene já estava com vontade de “rodar a baiana”, mas Jarno a acalmou.

 

Deixe-me ver o extintor – solicitou o guarda –

 

Deixei em casa seu guarda, achei que não precisava. Se Deus quiser não vai pegar fogo o meu carro – balbuciou Jarno já meio trêmulo e suando frio –

 

O Policial Rodoviário ouviu o comentário, mas nada respondeu. A seguir ordenou:  Desçam todos. Todos e toda essa muamba que o Senhor trás no veículo. Rápido. – insistiu –

 

Desceram a mulher e os filhos, um menino e três meninas. A menor das meninas de imediato dirigiu-se ao guarda e pediu um beijo. Esse, pacientemente deu o beijo. Vez em quando a menina repetia o beijo e o guarda foi saturando, mas como tratava-se de uma criança ele foi dominando sua irritação.

 

Neste ínterim foi verificada a falta do extintor, farol queimado, ausência de documentação do veículo, falta de habilitação do condutor, triângulo e estepe, então, nem falar.

 

Disse o Jarno já bastante constrangido: Mas seu guarda, estamos indo num parente ali em Viamão, não irá acontecer nada de grave conosco, além do mais – prosseguia ele – semana que vem esse carro vai estar todo certinho, posso lhe garantir – disse –

 

Novamente a menina beijoqueira pediu mais um beijo para o Policial que tinha que abaixar-se para receber o carinho da mesma. O Vigilante rodoviário passava a sentir-se como um algoz daquela família, mas nada podia fazer. A situação era grave demais para deixar passar.

 

A autoridade rodoviária após consultar seu superior, ordenou a apreensão do carro. Antes porém ordenou: Abra o porta malas.

 

Jarno obedeceu lentamente. Abriu o dito cujo.

 

Nisso, o guardinha recebeu mais uma beijoca da menina que ainda pendurou-se em seu pescoço. A autoridade não sabia se ria, se chorava ou se partia para a “ignorância”. Estava de mãos atadas, era apenas uma criança.

 

Marlene a mulher de Jarno acompanhava tudo, todos os detalhes, minuciosamente. Ao se aproximar da porta malas, já aberto, avistou num cantinho do mesmo um “toca fitas veicular com rádio”, novinho em folha. O mesmo estava camuflado sob uns panos velhos. Jarno o havia escondido, pois Marlene o havia proibido de comprar. Ficou furiosa ao ponto de esquecer que estavam em frente à Policia Rodoviária e mediante vistoria. Passou a ofender o marido Jarno.

 

Praguejava ela: Tu foste comprar essa porcaria, hein ? Quando chegarmos em casa tu vais ver só – ameaçava ela -

 

Mais uma vez a menina beijou o guardinha que não poder rejeitar. Trata-se de uma criança – dizia ele para auto justificar-se –

 

 Marlene voltou à carga em voz alta e contundente:

 

Jarno, quem mandou comprar essa porcaria, hein ? Eu não o havia proibido de gastar mais dinheiro com esse carro ?! Agora está aí, o carro está preso – enfatizou ela com ar de quem sabia tudo –

 

Mãe ! (ele a chamava sempre de Mãe) Eu queria te fazer uma surpresa, fui traído pela sorte. Que mal tem comprar um toca fitas. – disse ele com cara de arrependido e de quem sabia o temporal que enfrentaria quando chegassem em casa –

 

Idiota !!! – exclamou ela – Nós estamos numa merda desgraçada e tu aí, gastando dinheiro a rodo, sem medir as conseqüências. Tu és burro mesmo, de nascença. Isso que dizer que não tens cura, ouviu ? Idiota !

 

É Mãe, tu tens razão. Mas o carro é lindo, faltava apenas um aparelho de som – retrucou ele com certo receio –

 

Nesta seqüência de brigas e ofensas, o policial foi esquecido. O mesmo encontrava-se ao lado constrangido pelos seguidos beijos da menina e por todo alvoroço formado em frente ao posto, tudo aquilo foi inesperado e inédito. Não conseguia definir se era briga verdadeira ou teatrinho do casal para ludibriá-lo.

 

Diante daquele furdunço e da meiguice da menina beijoqueira, o guardinha decidiu chamar a atenção dos dois protagonistas, disse:

 

Olha aqui, prestem bem atenção no que irei lhes dizer – prosseguiu ele de maneira enfática – Eu vou dar essa Brasília de presente para a filha de vocês. Essa mesma, a que me beija a todo instante – disse – Peguem o carro, carreguem suas coisas, as crianças e sumam daqui, rápido ! e não voltem a passar aqui na frente nessas condições, certo ?

 

Siiim Senhor !!! – responderam os dois em uníssono sem mais discutir ou questionar qualquer coisa que fosse  –

 

Seguiram viagem em menos de cinco minutos...

 

Passaram o dia inteiro em Viamão na casa dos parentes, o Jarno muito “garganta”, repetia o acontecido a toda hora, contudo, contava vantagens para ele, como se tivesse “passado a perna no policial”.

 

No final do dia retornaram para casa, via Itapuã, Belém Novo, Tristeza e finalmente Partenon, percorreram no mínimo o triplo do caminho, em contra partida, não passaram em frente ao posto policial.

 

Uma semana após esta “epopéia” a Marlene pediu que o Jarno a levasse no super mercado. Sentou-se no banco traseiro, bem em cima da bateria do carro, que estava sem a borracha que a isolava do conjunto de molas do banco. Fechou um curto circuito entre as molas do banco e os pólos negativo e positivo da bateria. Pronto, a Brasília pegou fogo, por sorte chegaram os “deixa disso”, que após salvarem a Marlene puxando-a com se tivesse entalada, apagaram o fogo com algumas latas de água, salvando-a.

 

Um mês depois o Jarno, contra vontade a vendeu, repassou do mesmo jeito, sem documento o toca fitas continua encaixotado e guardado debaixo da cama do casal.

 

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RENÉ CAMBRAIA ESCRITO POR RENÉ CAMBRAIA Escritor
Maceió - AL

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