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O Panfleteiro

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Às vezes penso que os estudos, alta cultura e etc. não me levará a lugar nenhum aqui no Brasil, então o diabo me vem com a proposta:

– Vá, meu querido, faça parte daquele grupinho de garotos descolados, tire fotozinhas na frente do espelho e faça academia só para pegar garotas!

Porém, resisto ferozmente. Mas o peste não desiste:

– Vá, meu querido, comece a exibir o seu diploma para mostrar superioridade, garanto-lhe que nada disso te fará mal.

Levanto-me da cama, e ligo o computador. A idéia é tentar entender as raízes do gnosticismo e as suas consequências no mundo moderno. Depois, ler Yeats ou Eliot, talvez. E quem é que me aparece de repente? Ele mesmo:

– Tem certeza que esse estudo é bom pra você? Talvez isto nem na moda esteja; já ouviu falar dos quatro temperamentos? Se não, comece a estudar, você pode ganhar uma boa grana com isso.

Desliguei o computador, desanimado; mau consegui estudar. Preciso trabalhar, já está na hora.

Debaixo do sol, aonde o que mais se vê é vaidade, observava os rostos dos transeuntes; alguns nem olhavam para mim, porém outros, aceitavam de bom grado os meus tímidos olhares. Estendia a mão para dar-lhes um panfleto, e ao andar pelo menos uns 10 metros, eu via-os rasgar o papel sem ao menos ler o conteúdo. Eu me sentia digno de certa forma, honrado, pois naquele mesmo dia o dinheiro do serviço estaria em minha conta bancária. Que beleza! Saindo de lá, passaria num barzinho para tomar duas cervejas discretamente – sem a esposa saber, é claro.

Já não era tarde! e o diabo veio tagarelar no meu ouvido:

– Que calor né, querido? Imagine se o Robson passa, por coincidência, aqui neste ponto? Você gostaria que o seu amigo da universidade lhe visse aqui, entregando esses panfletos? Olhe para multidão por um instante: todos querem a mesma coisa, todos querem o mesmo lado da moeda, o mesmo valor. Aceite minha moeda, caríssimo! De onde vem essa tem tantas outras; de onde eu venho tem tantos outros; no entanto são todos iguais, tão iguais que só tenho olhos para você. Vem…

Então, o detive em pensamento, aprisionei-o em minha própria vontade, e lhe respondi:

– Torno-me igual aos outros, deixo as minhas particularidades de lado e aceito a tua moeda. Na semana seguinte me desfaço, furo a orelha, deixo a barba crescer como um bárbaro, mudo a alimentação radicalmente e passo a frequentar lugares caros sem um puto no bolso. Depois de tudo isso, você me abandona, e eu, clamarei por tua atenção, e você, não irá me ouvir. Bom, deixe-me aqui, se quiser voltar mais tarde para tentar me convencer, fique à vontade.

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Everton de Holanda ESCRITO POR Everton de Holanda Escritor
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